quinta-feira, 31 de março de 2011

Os custos do estágio na Ordem dos Advogados.

Verifico que, face a esta deliberação, os emolumentos devidos pelo estágio na Ordem dos Advogados foram elevados a € 1350, ou seja, precisamente o que um advogado na plenitude da carreira paga de quotas à Ordem dos Advogados durante três anos. Parece, portanto, que a Ordem considera que os advogados estagiários, que apenas se estão a candidatar à profissão, têm capacidade financeira igual ou superior aos advogados que já exercem a profissão há muitos anos.
E diz-se nesta deliberação que a razão para tão elevado aumento dos emolumentos do estágio reside no facto de o Tribunal Constitucional ter considerado inconstitucional o exame de acesso à Ordem, por o considerar uma barreira de acesso à profissão. Aceitam-se apostas sobre o que vai pensar o Tribunal Constitucional desta alternativa.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Letra morta.

Segundo o Sol de hoje Jorge Miranda terá contado, aquando da recepção do prémio Universidade de Lisboa que, antes do 25 de Abril, Raul Ventura, Professor de Direito Romano, lhe teria dito: "Somos ambos especialistas em Direito não aplicado, eu com o Direito Romano, e você com o Direito Constitucional...". Isto para referir que, na vigência da Constituição de 1933, o Direito Constitucional tinha tanta aplicação como o Direito da Roma Antiga. O problema é que a Constituição de 1976 teve precisamente o mesmo destino. Hoje em dia, para os órgãos encarregados de aplicar a Constituição, trata-se de um texto tão morto como o da Lei das XII Tábuas.

quarta-feira, 23 de março de 2011

A irrelevância da fiscalização da constitucionalidade II

Já tinha escrito aqui sobre a contribuição do Provedor de Justiça para o descrédito do sistema português de fiscalização da constitucionalidade, ao andar a discutir a constitucionalidade da composição de comissões, enquanto ignorava ostensivamente a questão da constitucionalidade da redução de salários que se encontra a afectar tantos cidadãos. Pois agora o Provedor vem nestas declarações justificar a ausência de um pedido de fiscalização da constitucionalidade, apesar de o mesmo lhe ter sido pedido em mais de 110 queixas, considerando que a decisão do Tribunal Constitucional será "no sentido da constitucionalidade, tendo por pano de fundo o contexto difícil das finanças públicas". Ficámos, portanto, a saber que para o Provedor de Justiça, quando há um contexto difícil das finanças públicas, a Constituição deixa de proteger os cidadãos, ficando limitada a tutelar os interesses dos aspirantes a membros de comissões. Reitero que por esta via ficou assegurado o descrédito total do sistema português de fiscalização da constitucionalidade. Multiplicam-se por todo o lado os sinais de fim de regime e a culpa é principalmente das entidades que o deveriam defender.

terça-feira, 22 de março de 2011

Este país não é para novos.

Há uma nova estratégia legislativa que me parece absolutamente chocante e que põe em causa a igualdade dos cidadãos perante a lei, apenas pelo receio de atingir interesses instalados. Essa estratégia ocorreu na Reforma do Arrendamento Urbano de 2006, que criou um regime diferente para os contratos novos, mas deixou tudo na mesma quanto aos antigos, e ameaça prolongar-se em sucessivos diplomas nas mais diversas matérias. Fala-se efectivamente que as indemnizações por despedimento serão reduzidas mas só para os novos contratos de trabalho, não mexendo a lei nos contratos anteriores, onde os trabalhadores continuarão a ter a mesma indemnização, mesmo que sejam despedidos muitos anos depois. E agora vem-se também dizer que as deduções fiscais do crédito à habitação serão mais baixas mas apenas os para novos contratos, continuando os antigos a ter a mesma dedução.
Estamos assim a criar dois países sujeitos a leis diferentes: um, que abrange os mais velhos, onde todos os benefícios são conservados eternamente, e outro, abrangendo os mais novos, que a nada têm direito. A injustiça deste sistema é absolutamente inacreditável. Onde está o velho princípio de que a lei deve ser igual para todos?

quarta-feira, 16 de março de 2011

A abertura do ano judicial.

Realizar uma cerimónia de pompa e circunstância para abrir o ano judicial de 2011 no dia 16 de Março do ano correspondente já diz tudo sobre o estado caótico da nossa Justiça. Mas o verdadeiro estado dos nossos tribunais hoje denunciado pelo Jornal de Negócios é absolutamente arrasador. Como bem diz o seu Director, Pedro Santos Guerreiro, num magnífico editorial, "estamos cansados de reformas na Justiça. Já se reformaram todos os códigos, os mapas judiciários e os nós das acções executivas - e o que sobra são suspeitas de leis à medida de quem legislou, políticas paralisadas e um milhão de processos a entupir tribunais". Por isso, como ele igualmente refere, a fotografia de família que hoje se produzirá da cerimónia será "a mais triste fotografia da decadência de uma era democrática". Na verdade, perante o que se está a passar na justiça, acho que não há qualquer justificação para uma cerimónia deste tipo. A mim lembra-me o célebre episódio daqueles que continuaram a tocar violino enquanto o Titanic se afundava.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Fiscus ab Constitutione solutus.

Estas novas medidas anunciadas de assalto fiscal aos cidadãos confirmam o que há muito penso sobre a inconstitucionalidade do Orçamento de 2011. Na verdade, contando com a complacência do Tribunal Constitucional e até do Presidente da República, o Governo avançou com uma medida de redução de salários, que não passa de um imposto encapotado sobre os salários dos funcionários públicos, grosseiramente inconstitucional por violar o princípio da igualdade, a regra da unicidade e da progressividade dos impostos sobre o rendimento, assim como a proibição do confisco. Isso mesmo vem agora a ser reconhecido pelo Governo quando pretende atingir da mesma forma os pensionistas, criando agora um imposto exclusivamente sobre pensões.
Efectivamente, e como se previa, os sacrifícios que foram exigidos aos funcionários públicos para nada servem perante a voragem despesista do Estado, pelo que o mesmo preparou um novo assalto, desta vez aos rendimentos dos pensionistas, mas agora sob uma nova veste jurídica. Os pensionistas vão ser obrigados a pagar uma "contribuição especial aplicável a todas as pensões (com impactos semelhantes à redução dos salários da Administração Pública)". Ou seja, enquanto os funcionários públicos têm uma redução de salários, os pensionistas sofrem uma contribuição especial sobre as pensões com o mesmo efeito. Muda-se o qualificativo legal mas atinge-se precisamente o mesmo resultado.
É manifesto, no entanto, que, como as pensões são contributivas, tal representa uma grosseira quebra de contrato por parte do Estado com pessoas que descontaram a vida toda, sendo que qualificar isto como contribuição especial é a maior anedota jurídica que alguma vez podia ser apresentada.
Efectivamente, a Lei Geral Tributária qualifica as contribuições especiais como impostos, esclarecendo que elas "assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade" (art. 4º, nº3). Gostaríamos imenso de saber em qual destas situações terão incorrido os pensionistas para serem sujeitos à mencionada "contribuição especial". E também gostaríamos de saber qual a justificação para ser mais uma vez uma única categoria de cidadãos (novamente os mais frágeis) a suportar os encargos financeiros do Estado.
A jurisprudência complacente do Tribunal Constitucional em matéria fiscal conduziu o país a este resultado: temos presentemente um "Fiscus ab Constitutione solutus", que todos os dias cria novos fundamentos, cada um mais absurdo do que o anterior, para atingir o rendimento e o património dos cidadãos, sem respeitar minimamente qualquer regra constitucional. Numa altura de emergência financeira, em que os direitos dos cidadãos mais necessitariam de protecção, o Governo sente-se com as mãos completamente livres para exigir novos encargos tributários por forma discriminatória a qualquer pessoa, sem respeito pelos vectores da igualdade e da capacidade contributiva. Assistimos assim hoje ao desmoronar da nossa Constituição fiscal.