O que acho mais revoltante nesta história da distribuição de casas pela CML é o despudor com que os beneficiários destes favores aparecem na comunicação social a justificar as razões pelas quais se reconhecem com direito à atribuição de casas pelas rendas simbólicas praticadas. Desde o jornalista e escritor, que acha que a sua actividade cultural justifica que a Câmara lhe arrende uma casa, ao funcionário que acha que tem que manter uma casa da Câmara de reserva para o caso de o casamento lhe correr mal (destinando-a entretanto à habitação do filho) tem-se assistido a tudo.
Ora, o património municipal é de todos, pelo que deve estar exclusivamente afecto a fins de interesse público. Alguém deveria explicar a estas pessoas que as casas de renda módica de que beneficiam são pagas com os impostos dos munícipes, pelo que eles têm legítimo direito a saber o que está a ser feito com o dinheiro dos seus impostos. E as justificações apresentadas podem tranquilizar as suas consciências, mas não permitem cumprir a obrigação de gerir criteriosamente os bens públicos.
Mas também não estão isentos de culpa os responsáveis pela atribuição destes benefícios, ainda que se pretendam escudar em argumentos como "sempre foi assim" ou "condoeu-me aquela situação". Na verdade, há muito tempo que os critérios de atribuição de casas pela CML são absolutamente contestáveis, tanto assim que já tinham sido questionados por Mário Crespo, no debate entre Jorge Sampaio e Marcelo Rebelo de Sousa, há quase vinte anos, como aquele recentemente lembrou. Mais recentemente, e a outro nível, pergunto o que é que justifica que a Fundação de Saramago, autor que é dos que mais dinheiro faz com a literatura, receba o direito de utilizar a Casa dos Bicos, um monumento histórico, que lhe é assim atribuída pela CML.
Se é assim que a CML gere o seu património, há uma solução que se deveria propor: que aliene desde já todos os imóveis que possui, a preços de mercado, adquirindo assim receitas de que tão obviamente necessita, e baixando em seguida os impostos dos seus munícipes. Assim, se evitaria estes benefícios escandalosos que os contribuintes não têm obviamente que pagar.
Um comentário:
De facto, estas notícias (e outras) passam e a caravana contínua o seu percurso alegremente. Fica a eterna dúvida: somos um país de brandos costumes ou de puro "companheirismo". Qualquer uma das hipóteses não deixa de ser infeliz.
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