quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Muhammad Yunus e o microcrédito.


Assisti hoje à conferência que Muhammad Yunus realizou sobre o microcrédito como instrumento de combate à pobreza. O autor é um extraordinário comunicador, relatando-nos como criou o microcrédito, enquanto negócio social, por forma a evitar que os pobres das aldeias do Bangladesh viessem a ser explorados por agiotas. A partir dessa ideia inicial, o microcrédito obteve um sucesso extraordinário, o que permitiu inclusivamente a abertura de um banco, o Grameen Bank, vocacionado para a ajuda aos mais pobres (e entre estes principalmente as mulheres), que não têm acesso ao crédito comum.
Muhammad Yunus fez críticas extremamente contundentes ao sistema bancário tradicional, referindo que a exigência de garantias e a investigação do passado dos devedores coloca 2/3 da humanidade sem acesso ao crédito, destinando-os à pobreza. Ora, a pobreza constitui, só por si, uma violação de todos os direitos humanos, na medida em que nem as necessidades básicas do ser humano vêm a ser satisfeitas. Por isso, o seu banco disponibiliza pequenas quantias sem exigir quaisquer garantias ou investigar os devedores, deslocando voluntários às suas residências para emprestar o dinheiro. Apesar disso, no entanto, as percentagens de recuperação dos empréstimos superam os 98%.
Explicando essa percentagem de pagamento, o autor referiu que são os ricos e não os pobres quem normalmente procura fugir aos seus compromissos. Perante a crise financeira actual, não deixei de considerar esta asserção como inteiramente correcta. Mas, quando se verifica que um pobre devolve ao Grameen Bank o dinheiro que este lhe emprestou, enquanto que os gestores das grandes empresas, que todos os dias declaram falência, não assumem quaisquer responsabilidades, organizando antes férias e almoços de luxo, há que concluir que há alguma coisa de muito errada na actual ética dos negócios.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Viagem a Moçambique



Encontro-me esta semana em Moçambique, onde vou realizar conferências e leccionar aulas no curso de doutoramento da Universidade Eduardo Mondlane. É sempre com grande prazer que regresso a esta terra, de uma beleza ímpar. Maputo, com os seus jacarandás e acácias vermelhas, é das capitais mais bonitas de África. E denota um grande desenvolvimento desde a ultima vez em que cá estive. Espera-se que a crise financeira, que tanto nos tem preocupado na Europa, não afecte excessivamente o continente africano, que já tem tido problemas suficientes.



quarta-feira, 15 de outubro de 2008

A candidatura ao Mundial de Futebol de 2018.

Continua a insistência do Presidente da Federação Portuguesa de Futebol numa candidatura "ibérica" ao Mundial de Futebol de 2018. Temos aqui uma clara demonstração de como os órgãos dirigentes do nosso futebol vivem completamente deslocados da realidade.
No momento em que estamos a assitir a uma crise financeira sem precedentes, com ameaça de uma recessão mundial, com bancos falidos e países à beira da bancarrota, a FPF candidata-se à organização, de um Mundial de Futebol, a realizar daqui a 10 anos, pretendendo uma parceria com a sua congénere espanhola, de quem ainda não ouvimos uma palavra sobre o assunto. Isto quando ainda estamos a pagar o Euro 2004 que para nada serviu, a não ser para deixar espalhados pelo país uma série de estádios de futebol, que constituem autênticos elefantes brancos.
É tempo de se começar a colocar algum travão nestes delírios futebolísticos. Exige-se bom senso aos responsáveis pelo nosso futebol. Em vez de a FPF propor a organização de mundiais, deveria era reformar toda a sua estrutura, o que é urgente, como o episódio da crise no seu Conselho de Justiça demonstrou.

domingo, 12 de outubro de 2008

Reflexões do companheiro Fidel.


Estas reflexões do companheiro Fidel agora publicadas no site oficial de Cuba são altamente enigmáticas sobre o que verdadeiramente pretende Fidel Castro.
Na verdade, apesar as suas apreciações sobre os candidatos indicarem um apoio a Obama, as suas declarações podem ter efeitos perniciosos na campanha deste, ao relembrar a inovação que seria eleger um negro para a Casa Branca: "En Estados Unidos existe un profundo racismo, y la mente de millones de blancos no se reconcilia con la idea de que una persona negra con la esposa y los niños ocupen la Casa Blanca, que se llama así: Blanca".
Em contrapartida, o Presidente cubano insulta McCain, ao relembrar os seus maus resultados em West Point, falando da sua idade e do seu estado de saúde, que poderia conduzir Sarah Palin à presidência. Estas declarações, vindas de quem vem, são absolutamente espantosas. Que se saiba, quer em idade, quer em saúde, John McCain está bastante melhor que o próprio Fidel Castro e, embora o irmão o tenha aparentemente substituído, parece ser ele que continua a dar cartas na política cubana.
Vindas de um tradicional inimigo dos Estados Unidos, os insultos a um dos candidatos presidenciais e os elogios a outro só poderão ter na campanha um efeito contrário ao que se esperaria. Não sei se não será mesmo isso o que pretende Fidel, o que poderá indicar que afinal prefere McCain a Obama. Um dos estados decisivos na eleição vai ser a Florida, que tem uma fortíssima comunidade de exilados cubanos ferozmente anti-castristas. Não sei se com estas declarações, Fidel não atirou a comunidade cubana da Florida integralmente para os braços de McCain.

sábado, 11 de outubro de 2008

Luís Filipe Menezes e o PSD.

Tem toda a razão Luís Filipe Menezes no que escreve aqui. Só há um senão: é que foi ele que, depois de dizer que não abandonava a liderança nem à bomba, a entregou de mão beijada, por causa de uma absolutamente inócua manifestação de disponibilidade por parte de Aguiar-Branco. Depois disso, não vemos com que legitimidade pode apelar a uma revolta de militantes contra a actual direcção. Agora que o PSD precisa de alterar o rumo que tem vindo a ser seguido, isso parece-me manifesto.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

O BCE e a crise financeira II

Escrevi na semana passada que a obsessão do BCE com a manutenção da taxa de juro fazia lembrar aqueles que continuavam a tocar violino enquanto o Titanic se afundava. Agora que a água gelada acaba de atingir brutalmente Jean-Claude Trichet, este decide-se a baixar de uma vez a taxa de referência em 0,5 pontos percentuais, depois de na semana passada ter dado indícios de que só o iria fazer em Novembro. A falta de efeito que a sua decisão está a ter na Euribor leva a crer que esta medida chega tarde demais e que dificilmente o sistema financeiro recuperará a confiança. Quando se escrever a história destes dias trágicos para a Europa, seguramente que o nome de Trichet figurará entre os principais responsáveis por esta crise.

Boatos.

As pessoas da minha geração seguramente que se recordarão do Verão Quente de 1975, e da onda de boatos que todos os dias surgia. Nessa altura surgiu nas ruas um célebre cartaz, salvo erro distribuído pelas Brigadas de Dinamização Cultural da Quinta Divisão do MFA, onde o boato era representado como um lacrau, que uma pessoa pisava. O cartaz dizia qualquer coisa como: "Não dês ouvidos à reacção. O boato é venenoso. O boato serve a reacção. É preciso esmagar o boato". Naturalmente que os efeitos do cartaz foram nulos, pois quem estava assustado com a situação fugiu do país ou pelo menos transferiu os seus bens para o estrangeiro, o que na altura era bem mais difícil do que é hoje.
Lembrou-me exactamente o estilo desse cartaz as declarações contra os boatos proferidas pelo Governador do Banco de Portugal e pela CMVM (ver aqui e aqui). Na verdade, é preocupante que as entidades reguladoras do sistema financeiro sintam necessidade de desmentir boatos, o que só demonstra a perturbação que a crise financeira está a causar. Penso que o efeito destas declarações até pode ser o contrário do pretendido. A mim ainda não me foi transmitido qualquer boato, pelo que fiquei com curiosidade de saber o que anda para aí a circular.
Na fabulosa série de televisão Yes, Minister, o Ministro dizia: "Não se deve acreditar em nada, até ser oficialmente desmentido". O desmentido oficial já ocorreu. Resta só saber concretamente a que boatos se referia...

sábado, 4 de outubro de 2008

A distribuição de casas pela CML.

O que acho mais revoltante nesta história da distribuição de casas pela CML é o despudor com que os beneficiários destes favores aparecem na comunicação social a justificar as razões pelas quais se reconhecem com direito à atribuição de casas pelas rendas simbólicas praticadas. Desde o jornalista e escritor, que acha que a sua actividade cultural justifica que a Câmara lhe arrende uma casa, ao funcionário que acha que tem que manter uma casa da Câmara de reserva para o caso de o casamento lhe correr mal (destinando-a entretanto à habitação do filho) tem-se assistido a tudo.
Ora, o património municipal é de todos, pelo que deve estar exclusivamente afecto a fins de interesse público. Alguém deveria explicar a estas pessoas que as casas de renda módica de que beneficiam são pagas com os impostos dos munícipes, pelo que eles têm legítimo direito a saber o que está a ser feito com o dinheiro dos seus impostos. E as justificações apresentadas podem tranquilizar as suas consciências, mas não permitem cumprir a obrigação de gerir criteriosamente os bens públicos.
Mas também não estão isentos de culpa os responsáveis pela atribuição destes benefícios, ainda que se pretendam escudar em argumentos como "sempre foi assim" ou "condoeu-me aquela situação". Na verdade, há muito tempo que os critérios de atribuição de casas pela CML são absolutamente contestáveis, tanto assim que já tinham sido questionados por Mário Crespo, no debate entre Jorge Sampaio e Marcelo Rebelo de Sousa, há quase vinte anos, como aquele recentemente lembrou. Mais recentemente, e a outro nível, pergunto o que é que justifica que a Fundação de Saramago, autor que é dos que mais dinheiro faz com a literatura, receba o direito de utilizar a Casa dos Bicos, um monumento histórico, que lhe é assim atribuída pela CML.
Se é assim que a CML gere o seu património, há uma solução que se deveria propor: que aliene desde já todos os imóveis que possui, a preços de mercado, adquirindo assim receitas de que tão obviamente necessita, e baixando em seguida os impostos dos seus munícipes. Assim, se evitaria estes benefícios escandalosos que os contribuintes não têm obviamente que pagar.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

O BCE e a crise financeira.

Confesso que já esperava esta decisão do BCE de manter a taxa de juro na Europa. Na verdade, se há coisa que Jean-Claude Trichet tem demonstrado é a sua incapacidade absoluta de responder activamente às crises, de tal forma se encontra obcecado em cumprir o único mandato que considera ter, o de controlar a inflação. Em consequência, perante o aumento da inflação desencadeado pela alta do petróleo e dos bens alimentares, a estratégia de Trichet foi sempre a subida sustentada da taxa de juro, independentemente de tal só servir para agravar a crise económica.
Agora que a economia europeia atingiu a recessão e o sistema financeiro europeu se encontra próximo do descalabro, Trichet insiste em manter a taxa de juro a níveis insustentáveis para as empresas e as famílias. Faz lembrar aqueles que continuaram calmamente a tocar violino enquanto o Titanic se afundava.
Se há algo que falta à Europa é seguramente democracia. Na verdade, é absolutamente insustentável que toda a política monetária europeia esteja nas mãos de tecnocratas politicamente irresponsáveis. Quem responderá perante os cidadãos europeus, pelos danos que esta política está a causar?