Fiquei absolutamente surpreendido por esta notícia do Público, com o extraordinário título "Magistrados do STA 'consentem' evasão fiscal das fortunas", o que constitui uma acusação gravíssima, que não me parece que o uso das aspas elimine. O sensacionalismo desse título apenas é atenuado pela explicação: "Decisão do Supremo Tribunal Administrativo cria polémica". Só que quando lemos a notícia não encontramos polémica absolutamente nenhuma, uma vez que o jornalista apenas faz referência à existência de votos de vencido no acórdão 734/09 do Supremo Tribunal Administrativo, o que é perfeitamente comum nos recursos de oposição de acórdãos. Pessoalmente, devo dizer que me parece correcta a decisão que fez vencimento.
A seguir, no entanto, o jornalista entra numa crítica cerrada ao referido acórdão, perfilhando a opinião dos votos de vencido, o que implica estar a escrever por isso um texto de opinião jurídica, e não uma verdadeira notícia. É extremamente comum que surjam anotações críticas de jurisprudência, mas não as esperaríamos encontrar num jornal generalista, mas antes em revistas especializadas. Agora o jornal em questão deveria especificar que se trata de um texto de opinião, uma vez que não vemos que aqui exista qualquer relato de factos, para além da crítica à decisão do Tribunal.
A crítica é, no entanto, feita em termos que me parecem absolutamente inaceitáveis. Na verdade escreve-se que "o acórdão redigido por Isabel Marques da Silva (734/09), magistrada que é filha do conhecido jurista Germano Marques da Silva, conseguiu alterar o entendimento do Pleno". Em primeiro lugar, não vejo a que propósito uma magistrada de um dos nossos Supremos Tribunais, e portanto no topo da carreira, deve ser identificada através da referência aos seus familiares próximos. E não se vê a que título se afirma que ela "conseguiu alterar o entendimento do Pleno", como se o entendimento do Pleno não resultasse precisamente da decisão tomada no recurso com base na oposição de acórdãos.
Para além disso, o texto do jornalista entra em diversas incorrecções e omissões jurídicas que não nos parecem aceitáveis quando alguém pretende criticar uma decisão judicial. O jornalista só cita a Lei 30-G/2000, de 29 de Dezembro, quando o que está em causa é o art. 89º-A da Lei Geral Tributária, que aquela lei introduziu, e que já teve cinco versões depois dessa lei. Neste caso, uma vez que se tratava de rendimentos de 2004, a versão aplicável é a da Lei 107-B/2003, de 31 de Dezembro. O jornalista refere, no entanto, com espanto, que "o acórdão do Pleno ainda cita a versão antiga da lei e omite que o legislador a alterou" entendendo que deveria ser aplicada aos rendimentos de 2004 uma alteração da LGT (a da Lei 55-B/2004, de 30 de Dezembro), com início de vigência em 2005, pretendendo assim aplicar retroactivamente uma norma de incidência fiscal. Parecem-me erros a mais para quem é tão afoito a criticar uma decisão judicial por, imagine-se, "reduzir os rendimentos fixados pelo fisco".
Quando compro um jornal, gosto que ele respeite o lema do New York Times: "All the news that's fit to print". Textos apresentados como notícias devem corresponder a um relato objectivo e transparente de factos. Textos de opinião jurídica devem ser identificados expressamente como tal. Neste caso, é manifesto que o Público errou. E não foi pouco.
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