Não concordo nada com esta análise de Pedro Lomba. Não se verificou na verdade qualquer contra-ataque dos juízes do Tribunal Constitucional ao Governo. O que se passou foi que a maioria dos juízes começou a perceber que mesmo a jurisprudência complacente que tinha vindo a utilizar e que tinha permitido até agora declarar constitucionais todas e quaisquer medidas destinadas a reagir contra a crise financeira tinha os seus limites. Era evidente para a maioria dos juristas que o Tribunal Constitucional estava a deixar passar medidas claramente inconstitucionais e mesmo os tribunais de primeira instância começaram a decidir ao arrepio da decisão do Tribunal Constitucional. O Tribunal Constitucional caía assim no risco de ser o único Tribunal do país a dizer que era constitucional o que todos afirmavam ser inconstitucional. Como é óbvio, não seria uma situação desejável para um Tribunal Constitucional.
Confrontado com essa situação, o Tribunal Constitucional optou por declarar inconstitucional o corte dos subsídios, mas sem retirar quaisquer efeitos práticos dessa sua decisão. Com esta solução julgava agradar ao Governo, permitindo-lhe continuar a executar o orçamento, e poupava-se ao ridículo de continuar a declarar constitucionais estas sucessivas medidas, que toda a gente acha inconstitucionais. O Tribunal Constitucional não avaliou, porém, os custos políticos que gerava uma declaração de inconstitucionalidade, ainda que meramente platónica. Por isso a sua decisão enfraqueceu o Governo, há muito habituado à complacência do Tribunal Constitucional, o que levou o Primeiro-Ministro a lançar um furioso ataque ao Tribunal Constitucional, colocando o Presidente do Tribunal na posição de ter que lhe responder. Posição claramente ingrata para o Presidente, que até tinha sido dos poucos juízes a declarar a constitucionalidade da medida.
As declarações de Passos Coelho é que representaram uma clara declaração de guerra do Governo ao Tribunal Constitucional, totalmente imerecida para um Tribunal que, sem sequer o Governo lhe pedir nada, até limitou os efeitos da sua decisão por forma a permitir que o orçamento fosse executado ao arrepio da Constituição. Mas o problema das guerras é que se sabe como começam, mas não como acabam. Irá o Tribunal Constitucional, depois deste ataque do Governo, prosseguir na sua jurisprudência complacente ou vai assumir o confronto com este? O que vier a ocorrer nos próximos tempos vai ser crucial para a manutenção ou não do Tribunal Constitucional.
Um comentário:
Quem só sabe Direito, nem Direito sabe.
Temos assistido a alguma opinião pública e publicada a criticar o recente acórdão do Tribunal Constitucional sobre a inconstitucionalidade da suspensão dos subsídios dos trabalhadores “da função pública” e dos pensionistas, argumentando que existe uma desigualdade entre privado e público (v.g. segurança no emprego; remunerações acima da média; prejudicialidade superior para a economia) que justifica um tratamento desigual. Sucede porém que, como qualquer licenciado em direito sabe, o princípio da igualdade é um princípio jurídico de cariz constitucional transversal a todo o ordenamento jurídico, com especial relevo para a sua aplicação no direito dos tributos. Ao nível do Direito Fiscal, o princípio da igualdade traduz-se na obrigação universal de todos os cidadãos se encontrarem obrigados ao pagamento de impostos, mas em medida da respetiva capacidade contributiva (apelando a outras noções, como a do sacrifício fiscal). A medida da respetiva capacidade contributiva significa igual imposto para os que dispõem de igual capacidade contributiva (igualdade horizontal) e diferente imposto para os que dispõem de diferente capacidade contributiva, na proporção desta diferença (igualdade vertical). Por outras palavras: à aplicação do princípio da igualdade aos tributos não interessa se a fonte dos rendimentos por conta de outrem é de origem pública ou privada, mas sim a medida dos rendimentos auferidos pelo cidadão/contribuinte e, como tal, a questão da segurança no emprego (por não abranger os desempregados) ou das médias remuneratórias (porque que mais recebe, mais contribui) não se coloca. Quando falamos em setor privado, falamos igualmente das remunerações de trabalhadores de empresas como a EDP, PT e GALP, certamente não conhecidas pela instabilidade do vínculo laboral ou pelos baixos salários pagos. Por último acresce ainda não esquecer que a igualdade é e será sempre material, isto é, a igualdade na desigualdade, comparando-se o comparável. Inerente ao vinculo laboral privado encontra-se (ou deveria, caso a visão fosse mesmo de um verdadeiro liberal), o risco inerente: melhores salários e prémios, quando a Economia está em alta, piores salários ou desemprego, quando a Economia está em baixo. Isto em contraposição ao vínculo público, em que os salários (sem prémios) são tabelados e tendencialmente distantes da evolução económica. Defender-se o contrário (e vêem-se muitos “liberais” a fazê-lo), então estamos a privatizar o lucro e a coletivizar o prejuízo.
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