Acho interessantíssima esta notícia de que a justiça vai ser o "pilar" do projecto de revisão constitucional que vai entreter os deputados nos próximos tempos. As novidades agora reveladas nesta área dão-nos bem ideia do que resultaria desse projecto, se alguma vez fosse aprovado.
Seria abolida a instrução no processo penal, assim fazendo chegar a julgamento todos os inquéritos, retirando-se aos arguidos a garantia de um controlo jurisdicional prévio antes de serem submetidos a um julgamento criminal. Apesar do carácter facultativo da instrução, ela constitui uma importante garantia dos arguidos, que achamos muito grave que seja retirada.
Ao mesmo tempo seriam criados tribunais especiais para a criminalidade económica e financeira, assim se garantindo aos criminosos de colarinho branco um foro especial, que não os levasse ao tribunal juntamente com os criminosos comuns.
Finalmente, o Procurador-Geral da República passaria a ser designado pela Assembleia da República, assim se repetindo as dificuldades de consenso interpartidário que se verificaram na substituição do Provedor de Justiça e a eternização no cargo dos titulares destes órgão, muito para além dos seus mandatos.
Posso garantir que, com um "pilar" destes, o edifício não se aguenta.
Os problemas que existem na justiça não são de natureza constitucional, pelo que utilizar a justiça para justificar uma revisão constitucional é uma confissão acabada da inutilidade dessa mesma revisão, que mais parece uma manobra de diversão, de quem não quer enfrentar os gravíssimos problemas que afligem o país.
2 comentários:
De acordo relativamente ao diagnóstico que o Senhor Professor faz das intenções partidárias no que respeita à revisão constitucional, verdadeira panaceia que evita a discussão dos reais problemas do país.
Mas não vejo em que é que a supressão da instrução, fase facultativa e, portanto, não essencial do processo penal e da protecção das garantias do arguido, é preocupante. Pelo contrário, parece-me evidente que fará bastante pela celeridade da justiça, a qual é também em si uma garantia do Estado de Direito e até dos arguidos. E parece-me bastante o controlo, que é também substantivo, ainda que perfunctório, da acusação por parte do juiz do julgamento (art. 311º do CP). Outro aspecto que também me parece essencial na reforma da justiça penal é acabar com a regra de que as declarações do arguido no inquérito de nada valem no julgamento. Não se compreende que assistido por um defensor e ciente dos direitos que lhe são comunicados por um juiz de instrução, o arguido possa prestar declarações sem que estas tenham valor probatório.
Sou defensor dos direitos dos arguidos, mas a situação do processo penal atingiu o absurdo do proteccionismo, pondo em perigo a investigação criminal e a segurança dos cidadãos. E tenho pena que essa situação só seja reconhecida por juízes e procuradores e não pelos professores universitários.
Diz o Professor Bacelar Gouveia o seguinte: «Um dos pontos que têm sido discutido é saber se devemos manter um processo penal com três fases, o inquérito, a instrução e o julgamento, tal como está neste momento desenhado na Constituição".
Tanto quanto sei, em fase alguma refere a CRP a existência de inquérito.
Foi o actual CPP que originou a distinção entre inquérito e instrução, facto que, entre outros, deu origem ao acórdão 7/87 do Tribunal Constitucional, com um excelente voto de vencido de Vital Moreira.
Tendo isto dito, concordo inteiramente com o que é dito no post. Tenho, contudo, algumas reservas quanto à nocividade da nomeação do Procurador-Geral da República por parte do Parlamento. Parece-me que poderá ser uma medida interessante até do ponto de vista da garantia de imparcialidade do referido órgão.
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