segunda-feira, 28 de junho de 2010

Kafka na Ordem dos Advogados.




Esta insistência do Bastonário da Ordem dos Advogados em querer continuar a restringir o acesso à Ordem, mesmo que os Tribunais dêem razão aos candidatos, só me faz lembrar o célebre conto de Franz Kafka, "Vor dem Gesetz", publicado em 1915, aqui traduzido em língua portuguesa. O autor viria depois a incluir esse conto num capítulo de O Processo, o qual deu origem ao filme de Orson Welles, reproduzindo-se acima a parte relativa a esse conto.
Através desta parábola, Kafka demonstra como certas forças na sociedade vão colocando entraves ao exercício por uma pessoa do seu direito, levando a que esta aguarde indefinidamente até que, no fim da vida, acaba por desistir do mesmo. É nessa altura que é confrontada com a asserção óbvia de que, pertencendo-lhe exclusivamente aquele direito, mais ninguém o poderia exercer, pelo que os entraves que lhe foram colocados acabaram por se traduzir na perda definitiva daquele direito.
A Ordem dos Advogados tem o dever de respeitar as leis do Estado, pelo que não pode impedir os licenciados em Direito de a ela se candidatarem criando requisitos novos, que não têm qualquer base legal. O exame de acesso já instituído assemelha-se ao porteiro do conto de Kafka, a quem cabe impedir desde logo a entrada no edifício. O Bastonário vem agora referir, como nesse conto, que ainda existem outros porteiros nos salões interiores, que continuarão a vedar o acesso, mesmo que os tribunais venham a dar razão aos candidatos. A Ordem dos Advogados acaba por ser transformada num exemplo pleno das restrições burocráticas ao exercício dos direitos, tão bem expressas neste conto de Kafka. É pena que ninguém veja a imagem que a Ordem dos Advogados está a dar ao país com esta atitute.

Um comentário:

João disse...

Professor, mais um excelente comentário.

E que dizer desta parte de uma entrevista que li no site de candidatura do actual Bastonário:

- Nos candidatos com mestrado, esse exame continuará a ser necessário?
- Para já, não. Mas, se se revelar que é necessário, teremos que o fazer, porque a Ordem não tem capacidade para estar a dar formação a oito ou a dez mil estagiários.

Parece que está finalmente a deixar de mascarar o que tem vindo a fazer e a assumi-lo directamente: é preciso barrar a entrada a novos estagiários - começa-se pelos licenciados de Bolonha, avança-se em seguida para os mestres e se for preciso fecha-se a "torneira"!

Cumprimentos