Já há muito tempo que sou de opinião que o Tribunal Constitucional deveria ser extinto, sendo as suas funções atribuídas a uma secção do Supremo Tribunal de Justiça, composta exclusivamente por magistrados de carreira. Efectivamente, o que se tem vindo a verificar é que a forma de designação dos juízes para o Tribunal Constitucional, por indicação dos partidos ou por cooptação, leva a que as suas decisões sejam profundamente baseadas em razões políticas, que contaminam a apreciação jurídica das questões.
Um exemplo desta situação é o recente Acórdão 399/2010, cuja fundamentação política é mais que evidente. Efectivamente, o Acórdão não considera inconstitucional uma lei fiscal retroactiva, quando a Constituição proíbe os impostos com natureza retroactiva, porque imagine-se, "do exposto resulta que as Leis n.ºs 11/2010 e 12-A/2010 prosseguem um fim constitucionalmente legítimo, isto é, a obtenção de receita fiscal para fins de equilíbrio das contas públicas, têm carácter urgente e premente e no contexto de anúncio das medidas conjuntas de combate ao défice e à dívida pública acumulada, não são susceptíveis de afectar o princípio da confiança ínsito no Estado de Direito, pelo que não é possível formular um juízo de inconstitucionalidade sobre a normas dos artigos 1.º e 2.º da Lei n.º 11/2010, de 15 de Junho, nem sobre as normas dos artigos 1.º e 20.º da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho, na medida em que estes preceitos se destinam a produzir efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2010". Ou seja, a argumentação do Tribunal Constitucional é a de que, se o objectivo do Estado é obter receita fiscal para o equilíbrio das contas públicas, pode livremente aplicar leis fiscais retroactivas.
Este acórdão vem na sequência do tristemente célebre Acórdão 11/83, onde o Tribunal usou argumentação semelhante para deixar passar um imposto extraordinário retroactivo, acórdão esse, et pour cause, ainda hoje ausente do site do Tribunal Constitucional. Nessa altura, num excelente voto de vencido a esse Acórdão, Vital Moreira escreveu: "Nenhuma razão de Estado (...) pode prevalecer contra a razão da Constituição". E praticamente toda a doutrina criticou esse Acórdão, tendo considerado que o Tribunal Constitucional tinha começado as suas funções com o pé esquerdo. A reacção a esse infeliz Acórdão foi uma das razões que justificou que se alterasse a Constituição para consagrar expressamente a proibição da retroactividade. Mas pelos vistos, tanto faz o que diga a Constituição porque a razão de Estado será sempre prevalecente.
Diz o povo que o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita. O Tribunal Constitucional começou mal com o Acórdão 11/83 e termina agora pior com este Acórdão 399/2010. A meu ver, estamos perante o verdadeiro canto do cisne do Tribunal Constitucional.
3 comentários:
Inteiramente de acordo.
Além do mais tudo isto era claramente previsível.
«O que significa que só no final do ano de 2010 se pode apurar a taxa do imposto, bem como o escalão no qual o contribuinte se insere.», pode ser lido no referido acórdão, na secção intitulada "Breve excurso sobre o imposto sobre rendimento das pessoas singulares". (Note-se que esta frase já antecipa - e bem! - a tese (que deveria ser apenas a conclusão) da não inconstitucionalidade de normas que venham, a meio do ano fiscal, determinar a mudança (paradigmaticamente, a mudança agravadora) de escalão do IRS!)
Ligando esta frase à conclusão pela não inconstitucionalidade das normas apreciadas, podemos todos concluir que o nosso escalão de IRS dos rendimentos auferidos em 2011 será... o que o legislador, durante 2011, quiser! O mesmo para 2012, 2013, 2014, e por aí fora, até ao fim das nossas vidas.
Dito de outro modo, quem quiser procurar a segurança jurídica em matéria fiscal poderá encontrá-la no cesto dos papéis, porque foi para lá que o Tribunal Constitucional a acabou de a atirar.
Antes de se pensar em extinguir o Tribunal Constitucional, seria interessante ponderar a hipótese de se alterar o modo de composição do Tribunal, isto é, em vez dos famigerados 10 lugares indicados pela Assembleia da República e dos 3 juízes cooptados, porque não inverter a situação, passando a cooptação a ser o modo de preenchimento da maioria dos lugares do órgão, sob um posterior parecer vinculativo do Conselho Superior de Magistratura?
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