Deve ficar nos anais da história da Justiça em Portugal este extraordinário discurso da Senhora Ministra da Justiça. Gostei especialmente da parte em que ela diz: "A taxa de resolução nas ações executivas cíveis é superior a 190%; a duração média dos processos de falências, insolvências e recuperação de empresas no âmbito do PER (Processo Especial de Revitalização) é de dois meses e é possível aferir que 42,9% destes processos terminam por acordo. São decorrências das reformas efectuadas". Quer dizer que neste momento, graças às miraculosas reformas efectuadas, o sistema conseguiu o extraordinário prodígio de resolver quase o dobro das acções executivas que tem. Quanto ao processo especial de revitalização, dois meses é mesmo o prazo previsto no art. 17º-D, nº5, do CIRE para a conclusão das negociações com os credores, sendo que depois segue-se o processo de insolvência, se não houver acordo. Dos números indicados pela Senhora Ministra resulta assim que em 57% dos casos o processo de revitalização foi completamente inútil, só servindo para atrasar o processo de insolvência. Já agora, porque é que a Senhora Ministra não diz quanto tempo dura em média um processo de insolvência? E quanto tempo dura em média um procedimento especial de despejo, depois do absurdo Balcão Nacional de Arrendamento? E quanto tempo dura em média uma acção cível, especialmente depois da disparatada reforma do processo civil? E já agora um processo-crime?
Nada disso interessa, claro. Porque a Senhora Ministra está mais interessada em combater os polvos, os ratos e os alegados especialistas (por esta ordem, que não por outra): "Os polvos multiplicam-se na globalização desregulada, mas nós estaremos cá. No fundo, os ratos aliam-se, reconhecem-se, invadem. Também alegados especialistas vivem do desconhecimento do sistema, procuram ignorar o que foi e é feito, todos os dias por tantos, mas vivem disso". Contra os polvos, os ratos e os alegados especialistas cá teremos naturalmente a heróica Senhora Ministra, que nunca esmorecerá no seu combate. Quanto aos operadores judiciários, lá terão que a seguir à força, uma vez que "os profetas do imobilismo falharam". Há, pois, que seguir os verdadeiros profetas, aqueles que acreditam nos gloriosos amanhãs que cantam e que por isso mesmo cantam loas às maravilhosas reformas. Que ninguém se atreva, pois, a dizer que essas maravilhosas reformas se limitaram a reduzir o processo civil a um vácuo normativo, e que não deixarão pedra sobre pedra de uma organização judiciária que levou séculos a construir. Como diria Pangloss, no Candide, "tout va pour le mieux dans le meilleur des mondes possibles".
Um comentário:
Penso que o melhor remédio para os ratos seja o raticida. Aprecio o polvo à lagareiro. Os especialistas estão em toda a parte, seja a matar ratos, a assar o polvo ou nos governos
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