sexta-feira, 18 de junho de 2010

A Declaração de Bolonha e a Ordem dos Advogados.

Esta polémica que se gerou na Ordem dos Advogados a propósito da Declaração de Bolonha demonstra o que sempre pensei: que é um erro gravíssimo a aplicação da Declaração de Bolonha aos cursos de Direito. Mas, ao contrário do que erradamente referiu o Bastonário, a maioria das Faculdades de Direito estava contra a aplicação da Declaração de Bolonha, tendo inclusivamente conseguido que o Governo PSD/CDS excluísse a sua aplicação ao curso de Direito. Apenas quando mudou o Governo, o actual Ministro do Ensino Superior impôs que também os cursos de Direito fossem reduzidos, tendo-se tentado criar nos alunos a ideia de que era irrelevante ter uma formação de cinco, quatro ou mesmo três anos, pois estariam todos nas mesmas condições para exercer uma profissão jurídica. Os resultados dessa política estão à vista.
Perante esta alteração, o CEJ fez o que devia, passando a exigir o mestrado como requisito de acesso à profissão de magistrado. A Ordem dos Advogados propôs o mesmo, ainda no mandato de Rogério Alves, mas não conseguiu que o Governo aceitasse essa proposta, alterando o estatuto da Ordem dos Advogados. Tal posição do Governo é estranhíssima, uma vez que até a Ordem dos Psicólogos passou a exigir mestrado como requisito de acesso à profissão. Não se percebe porque é que um advogado deve ter uma formação inferior a um juiz ou a um psicólogo.
Quanto ao exame de entrada na Ordem, agora aplicado sem qualquer base legal, este foi um dos pontos essenciais da campanha para as últimas eleições da Ordem, sendo uma proposta, não apenas de Marinho Pinto, mas também de Magalhães e Silva, tendo sido sempre apresentada como uma forma de limitar o aumento do número de advogados. Por questões de princípio, quer eu, quer Garcia Pereira, estivemos contra essa proposta, mas pude verificar que ela era extremamente popular entre os advogados. Não é por isso de prever que o exame venha a ser abandonado pela Ordem, apesar da sua manifesta ilegalidade, sendo elucidativo o silêncio em que se colocaram sobre este assunto os actuais candidatos a Bastonário. Vão por isso surgir centenas de processos contra a Ordem, o que a prejudicará seriamente enquanto instituição.
O que me espanta neste momento é a atitude do Governo nesta matéria, que depois de ter imposto a aplicação da Declaração de Bolonha aos cursos de Direito e que a nova licenciatura fosse requisito de acesso à Ordem, coloca-se agora em total silêncio sobre o exame instituído pela Ordem dos Advogados. O Ministro da Justiça nada tem a dizer sobre este assunto?
Quanto às declarações de Marcelo Rebelo de Sousa, considerando "dúvidas" as certezas que toda a gente tem sobre a Declaração de Bolonha, e pedindo para "esperar para ver" perante a situação que agora surgiu, acho-as muito infelizes. Pelo contrário, são extremamente acertadas estas declarações de Santos Justo, Presidente do Conselho Directivo da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

8 comentários:

O Legislador disse...

Caro Professor,

Com o devido respeito pela opinião de V.Exa., respeito esse acrescido pelo facto de ter sido seu aluno durante 3 anos consecutivos (a cadeiras diferentes), sou forçado, mais uma vez, a discordar.

Recordo que o CEJ exige o mestrado seja em que área for. É irrelevante que o Mestrado seja tirado em Direito ou em Zoologia. Assim, a fundamentação da nossa falta de preparação jurídica e respectiva superação com um mestrado deixa de proceder.
(Diz no site do CEJ o seguinte: "Os graus de mestre ou doutor dizem respeito a qualquer área científica, não exclusivamente a Direito.")

Acrescento ainda que, a exigir-se o mestrado já concluído, estar-se-á a limitar a escolha dos alunos entre o Mestrado Científico e o Profissionalizante com base em critérios económicos, ou seja, quem tem meios para estar mais tempo sem trabalhar irá para o Científico e quem, ainda que querendo entrar no Científico, tiver maior urgência em entrar no mercado de trabalho terá de ingressar no profissionalizante (de conclusão necessariamente mais rápida em virtude do reduzido tamanho da tese e dos moldes em que está estruturado).

Pergunto-lhe, então, porquê a exigência de mestrado concluído em qualquer área científica? E porque não (a entender-se como necessária formação científica adicional) apenas a exigência da fase lectiva concluída?

Cumprimentos,

L.O.

Luís Menezes Leitão disse...

É verdade que o CEJ passou a exigir um mestrado em qualquer área. Mas também é verdade que simultaneamente exige aos candidatos um exame sobre matérias jurídicas, exame aliás bastante exigente, onde as taxas de reprovação são muito elevadas. Conheço bem o rigor desses exames pois fui durante dez anos membro do Conselho Pedagógico do CEJ e integrei várias vezes os júris de provas orais.
Neste enquadramento, é óbvio que ninguém que queira ser magistrado irá, no seu juízo perfeito, fazer um mestrado em zoologia, pois sabe perfeitamente que não irá ser interrogado nesse exame sobre a configuração dos répteis e batráquios, mas antes sobre matérias jurídicas.
A minha proposta de exigência do mestrado baseia-se apenas em querer assegurar o mesmo nível de formação para efeitos de candidatura à Ordem que sempre existiu, uma vez que me parece óbvio que uma licenciatura de quatro ou três anos não tem comparação em termos de preparação com uma licenciatura de cinco anos. Compreendo perfeitamente que o mestrado científico seja mais estimulante do que o profissionalizante e que haja interesse em o fazer ao mesmo tempo do que o estágio. Foi o que eu próprio fiz quando acabei o curso de Direito. Mas eu tinha cinco anos de formação universitária quando me candidatei à Ordem, e devo dizer que, pela minha própria experiência pessoal, não acho possível trabalhar como advogado sem esses anos de formação. Mas admito que a fase lectiva do mestrado possa bastar para atingir esse desiderato.

André disse...

Senhor Professor Menezes Leitão,

Aquilo que é verdadeiramente revoltante neste exame, para lá da questão da ilegalidade clara, prende-se com a forma como ele foi corrigido. A verdade é que este exame não teve como objectivo testar os conhecimentos dos candidatos, dada a sua manifesta simplicidade, mas sim, instituir um meio supostamente legítimo para, através dele, limitar ao máximo o acesso à profissão.

É demasiado evidente, olhando para a correcção do exame, que não houve o mínimo rigor. É dada cotação de um terço a respostas que cumprem com todos os requisitos da grelha de correcção. Alunos das universidades portuguesas mais prestigiados que sempre tiveram resultados excelentes foram chumbados. No meu caso, aluno da FDUL a frequentar a parte escolar do Mestrado, nunca ao longo do curso tive sequer uma negativa entre testes, exames e orais. E tive agora no exame da ordem num exame mais que acessível, muitos mais acessível do que aqueles que me acostumei a fazer ao longo destes cinco anos. Daí que diga, sem nenhuma dúvida, que a correção deste exame foi uma fraude.

Anônimo disse...

Caro Professor,
fui seu aluno em várias cadeiras na FDL, como Direito das Obrigações I e II, Direitos Reais e Direito do Trabalho I e II. Sempre julguei que a formação que me estava a ser dada na dita faculdade iria preparar-me para a vida prática, que ao ir às aulas teóricas e práticas e ao ler os manuais recomendados como li estaria preparado para no futuro vir a ser um bom jurista. Venho agora a saber que o Professor considera que o curso que fiz não é suficiente sequer para poder começar a estagiar de modo a obter mais conhecimentos teóricos e principalmente práticos e vir assim a exercer a advocacia da melhor maneira. Até custa a crer, que a melhor Faculdade do país, com os Professores mais ilustres esteja a licenciar pessoas que nem qualidade jurídica têm para iniciar um estágio de aproximadamente dois anos. Sim, porque o que está aqui em causa não é um exame para se poder ser advogado, o que está em causa é um exame que serve apenas para iniciar um estágio. Estágio esse em que teremos aulas dadas pela O.A. e em que seremos sujeitos a mais exames, para finalmente podermos ser advogados.
Tenho pena que se continue a passar esta ideia dos licenciados de bolonha não terem conhecimentos iguais aos antigos licenciados. Os menos informados acreditam, mas os licenciados de bolonha não. Ainda me lembro de uma aula de Teoria Geral do Direito Civil em que o Professor Menezes Cordeiro disse: "Vamos ter que trabalhar mais, vamos dar a mesma matéria que dávamos antes de bolonha, mas agora com menos tempo, o que vai fazer com que tenham que estudar mais".
E não poderia terminar este texto sem fazer algumas perguntas.
Porque motivo continuam as pessoas que defendem o exame de acesso à Ordem ou a necessidade de mestrado a falar indiferentemente dos licenciados de 3 e 4 anos? Se é indiferente falar dos licenciados de 3 e 4 anos, porque não é também indiferente falar dos licenciados de 4 e 5 anos?
Se o mestrado pode ser feito numa área específica, porque é que o exame de acesso à Ordem não pode ser também realizado numa área específica?
Se o que está em causa é apenas mais um ano de formação, porque não ter em conta a realização de uma pós-graduação de um ano quando sujeita a avaliação?

Com os melhores cumprimentos,

J.R

Ragner Tovar disse...

Caro Professor,

Como já foi dito por um colega, penso que todos nós (alunos e professores) preferiamos o regime de 5 anos.
E aceito que a preparação não seja a mesma de um licenciado de 4 ou de 5 anos.
Mas continuo a pensar que a solução para melhores profissionais (advogados) não passa por um exame de acesso!
O estágio tem exames que deviam ter como objectivo "eliminar" os piores. E o que acontece? Eu conheço vários colegas que tivera, 19 - repito, 19, DEZANOVE!!! - em alguns exames da 1ª fase!!! Como é possivel?! Nunca vi numa pauta da faculdade um 18 sequer! Que exigência é esta da Ordem?! Toda a gente tem que se convencer que hoje não há licenciados de 5 anos. É preciso que todos se adaptem aos tempos. Querem melhores advogados, melhor preparação? Aumentem os níveis de exigência da Ordem, apertem com a fiscalização! Eu conheço advogados estagiários que faltam sucessivamente a escalas e nada lhes acontece! Este exame nem tem a ponta por onde se lhe pegue, em bom português! É, de uma forma descarada, uma barreira de acesso à profissão.
O problema está na Ordem e não naqueles que apenas querem tentar entrar no mercado de trabalho! Não pode continuar a passar a ideia de que a culpa de haver maus advogados está nestes recém-licenciados que nunca foram advogados!!!
E deixe-me deixar mais uma mensagem: imagine o "sofrimento" não só destes jovens mas também dos pais. Há centenas de licenciados parados por causa das ideias ilegais de um senhor! Numa altura de crise grave as portas fecham-se todas...
Cumprimentos

Luís Menezes Leitão disse...

Estou inteiramente de acordo com estes últimos comentários. Obviamente que considero este exame ilegal e acho dramática a situação em que os licenciados foram colocados, tanto assim que já apelei publicamente à intervenção do Governo nesta matéria. Também acho o que a Ordem deve avaliar é apenas a preparação para ser advogado e essa só se consegue após um estágio profissional.
Agora também tenho por hábito dizer o que acho que é a verdade. Reduzir os cursos em um ano, nuns casos com supressão de cadeiras, noutros casos com supressão de 1/3 das aulas práticas, diminui a preparação dos alunos. E por muito que outros tenham querido transmitir a mensagem de que os cursos seriam iguais, toda a gente no mercado sabe que não são. Para se ter o mesmo conteúdo lectivo teria que se aumentar a duração diária das aulas, o que não foi feito porque seria pedagogicamente extenuante, tendo assim a formação sido reduzida para os novos licenciados. Não está em causa a qualidade dos cursos, mas apenas o facto de não se ter tido a quantidade de aulas que sempre foi considerada necessária para iniciar uma candidatura ao estágio da Ordem.
Quanto à comparação dos licenciados de três com os licenciados de quatro anos, não sou eu que a faço, é a lei que foi adoptada. É possível concorrer à Ordem com qualquer das licenciaturas, precisamente porque o primeiro grau de Bolonha (conhecido internacionalmente com "bachelor") apenas garante três anos de formação. Com cinco anos de formação, já se tem actualmente direito ao grau de "master". Os licenciados de quatro anos estão a meio desse percurso, mas ainda não têm os cinco anos necessários para o segundo grau, pelo que, mesmo a nível internacional, são considerados como tendo apenas o primeiro. Parece-me, por isso, que a solução para esta grave situação não está neste exame de entrada no estágio — que considero ilegal — mas em exigir
cinco anos de formação, ou seja, mais um ano.

Armando disse...

Professor,

Bolonha e as consequências que está a ter foram criadas pelo Governo.
Para a esmagadora maioria das faculdades de direito que conheço (incluindo a minha, Coimbra) não foi dada aos alunos a hipótese de concluirem a sua licenciatura de 5 anos - o que aconteceu, pelo que sei, na faculdade de Lisboa, onde foi instituido um regime de transição. Estou convicto que se tal acontecesse grande parte dos colegas preferia terminar o seu curso de 5 anos.
Estas licenciaturas, estes 4 anos foram-nos impostos!!!
E eu também preferia ter os 5 anos, o mestrado e até um doutoramento! Mas não se fale disso como "só não faz quem não quer"!
O 2º ciclo acarreta custos elevados que muito não podem sustentar. E não se pode esquecer que não há mestrados de 1 ano, logo, não há mais formação de 5 anos! Em Coimbra, por exemplo, o mestrado tem a duração de 18 meses e em Lisboa de 24!!!
E repare-se que estes licenciados estão a pagar a factura de forma aleatória. Tenho vários colegas a acabar o estágio com licenciatura de 4 anos! Eu próprio, por ter terminado a minha licenciatura em 28 de Setembro de 2009, por 5 dias passei a ser "lixo" e "bacharel travestido" (as inscrições para o último curso da Ordem de 2009 terminaram dia 23 de Setembro...).
Mais: tenho colegas que andavam no 4º ano do antigo regime no ano que passou a vigorar Bolonha. Visto no ano seguinte não haver 5º ano acabaram o curso!!! Cortaram 1 ano à licenciatura de 5 anos e vai-te embora! Esses alunos nunca tiveram cadeiras importantes do curso que nós, Bolonheses, mal ou bem, dadas com muito ou pouco tempo , tivemos!!! E esses colegas estão a acabar o estágio!!!
E que fizer da forma como o Bastonário trata todos os licenciados? Lixo, bachareis travestidos de licenciados, essas pessoas... Concorde-se ou não com Bolonha, estamos a falar de pessoas com estudos universitários, que se esforçaram e perderam muitas horas e dinheiro para conseguirem acabar as suas licenciaturas. Respeito é palavra que não existe no dicionário desse senhor...
Permita-me deixar um último apontamento: num painel de bons candidatos (onde se incluia o Sr. Professor) e sair vitorioso o Sr. Marinho demonstra bem os interesses e as pessoas que esse senhor defende...

Os meus melhores cumprimentos

José Barros disse...

Embora tenha feito a licenciatura pré-Bolonha, equivalente, portanto, a 300 créditos,apanhei com a reforma do curso de direito da Universidade Católica do Porto, pelo que tive a experiência de dois cursos. Com esse conhecimento de causa, tenho uma opinião diferente relativamente àquele curso (não me podendo pronunciar sobre outros):

1) Antes de Bolonha, não havia avaliação contínua no curso de direito da UCP, razão pela qual os alunos se limitavam a fazer um exame final de passagem na cadeira anual que tinham ou não - as mais das vezes, nem punham os pés nas aulas - frequentado. Depois de Bolonha, todas as cadeiras do curso da Católica são de frequência obrigatória e os alunos são "convidados" a optar pela avaliação contínua, o que permite um estudo continuado de qualidade muito superior à anterior.

2)As cadeiras anuais que fazem parte do tronco comum do curso (obrigações, administrativo, penal) foram divididas em cadeiras semestrais, sem perda de conteúdos e até com melhoria significativa da qualidade de ensino por via da referida avaliação contínua. Mesmo a disciplina de trabalho leccionada pelo Prof. Júlio Gomes e reduzida a cadeira semestral transitou para o novo regime com o programa relativamente inalterado (sendo que foram criadas seminários facultativos, como a relativa às convenções colectivas para o ensino de uma matéria que nem sequer fazia parte do programa do regime pré-Bolonha). Eliminadas foram apenas as cadeiras de finanças, matéria que já não é leccionada naquela faculdade.

Deste modo, não considero minimamente provada em relação ao curso de direito da UCP a menor exigência dos cursos depois de Bolonha. Considero, isso sim, que houve um maior laxismo na atribuição de notas que se traduziu numa inflação das mesmas. Mas tal aspecto nada tem a ver com Bolonha, antes deve-se a uma opção das faculdades e dos professores que passaram a ser menos exigentes.