O meu encontro com a obra de José Saramago deu-se muito antes do reconhecimento internacional que o autor justamente obteve e foi puramente casual. Uma vez, na feira do livro, encontrei-o a promover as obras que então já tinha publicado e, embora não o conhecesse, impressionou-me a paixão e a energia que parecia dedicar à literatura. Acabei por adquirir por curiosidade a obra Levantado do chão e fiquei deslumbrado com o Alentejo profundo que emana daquelas páginas. Esse fascínio continuou com obras como Memorial do Convento, O ano da morte de Ricardo Reis, Ensaio sobre a Cegueira e Todos os Nomes. Mas confesso que já não apreciei algumas obras do autor onde transmitia mensagens políticas inconsequentes como A Jangada de Pedra (contra o europeísmo) ou o Ensaio sobre a lucidez (apelando ao voto em branco contra a democracia partidária, à semelhança do MFA durante o PREC).
José Saramago gostava de se envolver em polémicas e a religião era frequentemente uma delas. Daí o ter publicado obras como O evangelho segundo Jesus Cristo ou Caim, que lhe valeram fortes críticas de sectores católicos, incluindo a atitude, que ficará na antologia do disparate político, que foi a exclusão da candidatura de O evangelho a um prémio europeu. Curiosamente, passou no entanto completamente despercebida a obra In nomine Dei, uma peça de teatro sobre as guerras religiosas na Alemanha, e especificamente sobre o movimento anabaptista em Münster, que considero uma das obras mais perfeitas de Saramago. Curiosamente, em conversa com colegas alemães, obtive a informação que esse tema ainda é considerado um tema muito delicado para os alemães, mesmo passados vários séculos. Pelos vistos, também aqui Saramago não fugia à polémica.
José Saramago foi um dos maiores vultos culturais do País tendo, pelo facto de ter recebido o Nobel, sido condecorado com o Grande Colar da Ordem de Santiago de Espada, o qual é habitualmente reservado apenas a Chefes de Estado. É por isso manifesto que o actual Presidente da República Portuguesa tinha o dever de estar presente no seu funeral. O cidadão Aníbal Cavaco Silva poderia dizer que não conhecia pessoalmente o falecido e que pretendia continuar as férias com os seus netos. Já o Presidente da República Portuguesa não se poderia furtar a essa obrigação.
2 comentários:
Estimado Prof Dr Meneses Leitão; a frequência com que àvidamente leio e releio os seus posts,são motivados pela garantia de uma análise isenta e clara sobre os assuntos que aborda.Contudo, e no respeito que me merece, permita-me que discorde dos comentários sobre a obra de José Saramago no correlacionado com o livro "todos os nomes". Comprei e procurei ler o dito livro, mas, na modéstia dos meus conhecimentos não consegui retirar dele, mais do que uma monumental seca, ao ponto de, não conseguir levá-lo até ao fim.
Pensei na altura, e, continuo a pensar que, Saramago deveria ter mandado retirar o livro das estantes dos livreiros e devolver o valor da compra àqueles que já o houvessem comprado.
Saramago era assumidamente um apátrida, por isso o Presidente da República dispensou-lhe o tratamento que merecia.
Acho que não tem razão. Há de facto livros de Saramago aborrecidos, mas não é o caso de "Todos os nomes". É um livro fascinante na descrição do mundo da burocracia kafkiana dos registos civis, e de como as nossas vida e morte ficam definitivamente impressas nesses registos depois esquecidos.
Saramago esteve efectivamente zangado com Portugal, a meu ver com boas razões, mas não era um apátrida. Portugal deve-lhe o único Prémio Nobel que a língua portuguesa recebeu, pelo que é manifesto que o Presidente da República tinha o dever de estar presente no funeral. Após a morte das pessoas, a regra é que as questões pessoais que existiram devem ficar esquecidas. Já os clássicos diziam que "mors omnia solvit".
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