quinta-feira, 17 de junho de 2010

A sugestão da fiscalização sucessiva da retroactividade fiscal.

Segundo nos refere esta notícia do i, Marcelo Rebelo de Sousa sugere a Cavaco Silva que proceda à fiscalização sucessiva da retroactividade fiscal, em lugar da sua fiscalização preventiva. Segundo ele, "isso permitiria dissipar as dúvidas que existem em relação à retroactividade do aumento de impostos" e "não bloquearia a entrada em vigor do diploma, como aconteceria se o Presidente optasse por uma fiscalização preventiva, não sendo Cavaco acusado de agir de forma irresponsável, estando a pôr em causa as medidas de austeridade adoptadas pelo governo". Para isso, a fiscalização sucessiva teria que ser solicitada com carácter de urgência "para que a situação não se arraste no tempo". "O Presidente deveria pôr como limite as férias de Verão para obter uma resposta do Tribunal Constitucional".
Esta proposta deixa-me absolutamente perplexo, uma vez que se sabe que esta fiscalização sucessiva nunca teria qualquer efeito prático, levando a que os cidadãos viessem a ser forçados a pagar impostos retroactivos, que são claramente inconstitucionais.
Efectivamente, enquanto que a declaração de inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional na fiscalização preventiva impede a entrada em vigor da lei retroactiva, na fiscalização sucessiva a mesma entra em vigor, podendo apenas a sua inconstitucionalidade vir a ser declarada no futuro. Ora, a experiência demonstra que essa declaração de inconstitucionalidade só surge vários anos depois de a lei ter entrado em vigor, altura em que a lei já se estará a aplicar a novos factos tributários. Ao contrário do que refere Marcelo Rebelo de Sousa, não existe qualquer possibilidade legal de o Presidente da República solicitar ao Tribunal Constitucional urgência na fiscalização sucessiva, uma vez que essa faculdade só está prevista para a fiscalização preventiva (arts. 278º, nº8 da Constituição e 60º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional).
Por outro lado, embora a declaração de inconstitucionalidade tenha em princípio eficácia retroactiva (art. 282º, nº1, da Constituição), a Constituição permite ao Tribunal Constitucional limitar os efeitos da declaração da inconstitucionalidade para o futuro (art. 282º, nº4). Ora, em decisões anteriores o Tribunal Constitucional já declarou que essa limitação é sempre de aplicar em ordem a evitar a restituição de impostos inconstitucionalmente cobrados, dado o impacto que tal produziria nas contas públicas. Em consequência, também pelo mesmo motivo o Tribunal Constitucional já se absteve mesmo sequer de se pronunciar pela inconstitucionalidade de leis fiscais posteriormente alteradas, por considerar que a sua pronúncia não teria qualquer efeito prático, uma vez que nunca ordenaria a restituição dos impostos que pudessem ter sido inconstitucionalmente cobrados.
Em conclusão, esta proposta não me parece representar nada mais do que uma forma de deixar passar esta flagrante inconstitucionalidade, dando à opinião pública a ilusão de que se efectuou algum pedido de fiscalização nesta matéria, que no final nunca chegará a ser apreciado. Espero por isso sinceramente que o Presidente da República não alinhe nesta proposta.

Um comentário:

Anônimo disse...

Pois alinhou... Desagradado, mas alinhou.