terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Mais uma reforma falhada.

O Tribunal Constitucional acaba de declarar inconstitucional pela terceira vez a alteração efectuada pela Lei 20/2013, de 20 de Fevereiro, à norma do art. 381º, nº1, do Código de Processo Penal que permite o julgamento em processo sumário de crimes com pena superior a cinco anos de prisão. A decisão é evidente e o que espanta é ter-se insistido nesta solução, contra tudo e contra todos, mesmo perante  este parecer da Procuradoria-Geral da República que apelava a que ela fosse reponderada, emitido aliás no curtíssimo prazo de 10 dias, tempo que o Governo concedeu para a audição das entidades envolvidas.

Em Portugal as reformas são tradicionalmente feitas à pressão sem o mínimo cuidado e a adequada ponderação das suas consequências. Só que o resultado é uma catástrofe que pode durar décadas. Lembro-me bem de ainda ter estudado pelo velho Código de Processo Penal de 1929, um autêntico pesadelo para os juristas, tão mal feito estava. A explicação que se dava é que tinha sido feito numa semana pelo seu autor e revisto em duas semanas pela comissão revisora. Mas esse Código ainda vigorou quase 60 anos, apesar de ter sido sujeito a reformas diversas, como a do Decreto-Lei 35007, de 14 de Outubro de 1945, ou a do Decreto-Lei 605/75, de 3 de Novembro.

Qualquer reforma legislativa deve ser feita com cuidado e ponderação, especialmente no campo dos direitos fundamentais, matéria da competência do Parlamento. Em Portugal, os Ministros da Justiça têm, no entanto, o hábito de pensar que são uns visionários, devendo impor à força reformas cuja utilidade só eles conseguem ver, recusando-se a ouvir qualquer posição divergente. E infelizmente os deputados, a quem caberia o poder legislativo, aprovam de cruz as reformas que esses Ministros visionários querem propor. O resultado costuma ser um desastre, só que normalmente os Ministros visionários nessa altura já não costumam estar no Governo para ver. Os seus substitutos, que se acham ainda mais visionários, fazem por isso aprovar legislação ainda pior, repetindo-se o ciclo até à eternidade, para desespero dos que têm que aplicar as reformas que eles criam.

Desta vez, no entanto, a Ministra da Justiça pode assistir no Governo ao descalabro total da reforma do processo penal que impôs. Por isso a pergunta é só uma: de que é que ela está à espera para se demitir?

4 comentários:

Gil Teixeira disse...

Como bem aponta o Prof. Luis de Menezes Leitão andamos nestas andanças legislativas há quase quarenta anos, e faz-se orelhas moucas às consequências danosas de tal feito para os cidadãos. Umas das causas está no carneirismo partidário. Em relação à demissão da ministra da justiça é outro busilis. Caindo a ministra caia o governo, e aqui a coisa fia mais fino. GT

Ana Paula Pinto Lourenço disse...

Excelente comentário.
Quem se dedica ao estudo e prática do Direito Penal e conhece os princípios enformadores do sistema penal, isto é, quem é jurista e não mero técnico de direito,aqueles para quem a celeridade não é sinónimo de pressa, ficou à espera desta decisão desde o dia em que a lei entrou em vigor.
Apenas lamentando aqueles cuja defesa ficaria debilitada se algum juiz, não invocando a inconstitucionalidde, se decidisse a aplicar a nova norma.
Era um nado morto, apenas não tinha atestado o óbito.

Horácio Coimbra disse...

Com que agrado e regozijo vejo o Presidente do Conselho Superior da Ordem dos Advogados dizer de forma bem clara aquilo de que todo o País está a espera! Sim, de que é que ela está à espera para sair?! Se cair o Governo, o que é que se perde, Dr. Gil Teixeira?
O senhor Presidente do Conselho Superior ainda não tomou posse e já está a engrandecer a nossa Ordem!

Anônimo disse...

Já nos idos anos 80 alertava o Prof. Antunes Varela para a onda de incontinência legislativa que ia incidindo um pouco por todos os ramos do Direito. Mas se na altura essa precipitação legislativa era compreensível (ou menos censurável), atenta a jovialidade do novo regime, nos dias de hoje é absolutamente injustificado, explicando-se tão somente com propósitos propagandísticos de mostrar "obra feita", incutindo deliberadamente às reformas o cunho pessoal de quem se acha dono e senhor da razão.