Achei extremamente corajoso o artigo hoje no Público, de Pedro Rosa Mendes, autor que me habituei a admirar desde o seu extraordinário livro, Baía dos Tigres. Não sou, no entanto, tão pessimista como ele quanto ao futuro deste extraordinário país, ainda que concorde que a situação de Timor-Leste merece uma análise mais ponderada, que tem sido sistematicamente impedida por um romantismo, que nada justifica.
Desloquei-me a Timor-Leste em 2000, para realizar uma acção de formação de magistrados timorenses, a qual se tinha tornado absolutamente necessária, devido ao facto de o País estar sem magistrados (e mesmo sem advogados), uma vez que todos esses lugares estavam reservados a indonésios. O espectáculo a que então assisti era desolador, com uma série de prédios derrubados, tendo-me sido referido que tal tinha ocorrido quando a Indonésia se tinha ido embora. O momento era, assim, de hora zero do país, o qual teria que recomeçar tudo de novo.
Notava-se, no entanto, uma violência endémica, associada a um conflito de gerações. A geração que então assumiu o poder, que tinha combatido na resistência ou tinha estado exilada, normalmente em Moçambique, pretendeu fazer um regresso ao passado, voltando a situar o combate político nos idos de 1975. Pelo contrário, a nova geração, que nem sequer falava português, e tinha conhecido principalmente os anos de ocupação indonésia assistia com algum espanto a tudo o que se passava, receando vir a ser esquecida pelos novos governantes. Num dia em que me dirigi ao Tribunal para dar aulas, houve um ataque de manifestantes, em virtude de ter sido detido um membro do seu grupo, que só foi controlado devido à intervenção de um dos muitos exércitos estrangeiros que a ONU tinha então enviado para Timor.
A língua era igualmente um problema, sendo que o português só era falado por pessoas acima dos 40 anos. As minhas aulas tinham por isso que ser traduzidas, sendo que inicialmente o tradutor o fez para tetum, mas os alunos pediram-lhe para traduzir antes para indonésio, dada a ausência de termos jurídicos na língua timorense. Por outro lado, quando comprava um jornal, verificava que a língua utilizada variava consoante as páginas, aparecendo algumas notícias em português, outras em tetum e outras em indonésio. Concordo por isso, com a expressão de Rosa Mendes, "Timor fala todas as línguas e nenhuma".
Depois do desastre que foi a ocupação indonésia, e da algo infeliz administração das Nações Unidas, Timor-Leste precisa manifestamente do apoio de Portugal. É por isso de louvar o trabalho que vários colegas, entre os quais José Adelino Maltez, se encontram lá a realizar. Mas é um país que tem demasiados problemas e se encontra longe demais, para que continuemos a tratá-lo com o romantismo com que o temos encarado. E o fracasso de outras tentativas de nation building deve levar à conclusão de que as nações não se constroem: ou existem ou não.
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