Estas
novas medidas anunciadas de assalto fiscal aos cidadãos confirmam o que há muito penso sobre a inconstitucionalidade do Orçamento de 2011. Na verdade, contando com a complacência do Tribunal Constitucional e até do Presidente da República, o Governo avançou com uma medida de redução de salários, que não passa de um imposto encapotado sobre os salários dos funcionários públicos, grosseiramente inconstitucional por violar o princípio da igualdade, a regra da unicidade e da progressividade dos impostos sobre o rendimento, assim como a proibição do confisco. Isso mesmo vem agora a ser reconhecido pelo Governo quando pretende atingir da mesma forma os pensionistas, criando agora um imposto exclusivamente sobre pensões.
Efectivamente, e como se previa, os sacrifícios que foram exigidos aos funcionários públicos para nada servem perante a voragem despesista do Estado, pelo que o mesmo preparou um novo assalto, desta vez aos rendimentos dos pensionistas, mas agora sob uma nova veste jurídica. Os pensionistas vão ser obrigados a pagar uma "contribuição especial aplicável a todas as pensões (com impactos semelhantes à redução dos salários da Administração Pública)". Ou seja, enquanto os funcionários públicos têm uma redução de salários, os pensionistas sofrem uma contribuição especial sobre as pensões com o mesmo efeito. Muda-se o qualificativo legal mas atinge-se precisamente o mesmo resultado.
É manifesto, no entanto, que, como as pensões são contributivas, tal representa uma grosseira quebra de contrato por parte do Estado com pessoas que descontaram a vida toda, sendo que qualificar isto como contribuição especial é a maior anedota jurídica que alguma vez podia ser apresentada.
Efectivamente, a Lei Geral Tributária qualifica as contribuições especiais como impostos, esclarecendo que elas "assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma actividade" (art. 4º, nº3). Gostaríamos imenso de saber em qual destas situações terão incorrido os pensionistas para serem sujeitos à mencionada "contribuição especial". E também gostaríamos de saber qual a justificação para ser mais uma vez uma única categoria de cidadãos (novamente os mais frágeis) a suportar os encargos financeiros do Estado.
A jurisprudência complacente do Tribunal Constitucional em matéria fiscal conduziu o país a este resultado: temos presentemente um "Fiscus ab Constitutione solutus", que todos os dias cria novos fundamentos, cada um mais absurdo do que o anterior, para atingir o rendimento e o património dos cidadãos, sem respeitar minimamente qualquer regra constitucional. Numa altura de emergência financeira, em que os direitos dos cidadãos mais necessitariam de protecção, o Governo sente-se com as mãos completamente livres para exigir novos encargos tributários por forma discriminatória a qualquer pessoa, sem respeito pelos vectores da igualdade e da capacidade contributiva. Assistimos assim hoje ao desmoronar da nossa Constituição fiscal.