sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Feliz 2011


Mais uma vez, as previsões para o novo ano são as piores possíveis, com o aumento da recessão, o desemprego, a contestação social e política, a crise financeira e até uma possível entrada do FMI em Portugal. Tem sido uma constante nos últimos anos e infelizmente tem-se verificado que a realidade consegue ser ainda pior que as previsões mais pessimistas. No entanto, nunca podemos perder o ânimo e esta é uma altura para festejar. Desejo por isso a todos um Feliz 2011.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

O inquérito aos magistrados do processo Freeport.

Na sua crónica de hoje no Público, Pedro Lomba escreve o seguinte: "O inquérito ao Freeport acabou numa torrente de dúvidas pela forma como foi conduzido. Seria útil conhecer em 2011 as conclusões do inquérito ao inquérito do Freeport que Pinto Monteiro anunciou".

Pois bem, se for verdadeira esta notícia de hoje, também no Público, parece que ainda em 2010 se conheceram os resultados do referido inquérito. Estas passam singelamente pela instauração de um processo disciplinar aos magistrados que intervieram no processo por terem alegadamente violado "'deveres de zelo' porque deviam ter previsto que a inclusão das perguntas a fazer a Sócrates 'lesaria a imagem' de Pinto Monteiro e do então vice-procurador geral, Mário Gomes Dias, que aprovou o prazo-limite da investigação".

Eu julgava que esse inquérito se destinava a esclarecer o povo português — em nome de quem é administrada a justiça — sobre o que se passou num processo com essa importância e a razão pela qual foi abruptamente fixado um prazo limite para a investigação, quando havia diligências ainda em curso. Afinal o inquérito nada esclarece sobre o assunto, pretendendo antes responsabilizar disciplinarmente os magistrados por não terem previsto que iriam lesar a imagem do PGR e do Vice-PGR ao declararem no despacho de arquivamento que havia diligências que não puderam fazer. Parece-me um fundamento muito reduzido para um processo disciplinar, especialmente quando estão em causa magistrados com a brilhante carreira profissional e o merecido prestígio dos visados.

Diz igualmente Pedro Lomba que "Pinto Monteiro contribuiu para a dramática desconfiança que rodeia a justiça". Efectivamente, se há muitas coisas que têm contribuído para o descalabro da confiança dos cidadãos na justiça, uma delas é precisamente a situação no Ministério Público. Para isso muito contribuiram os dirigentes máximos do Ministério Público, com práticas altamente contestáveis, como a de proferir despachos secretos fora de qualquer processo penal, fixar abruptamente prazos para o encerramento de inquéritos, e até insistir na permanência em funções de um Vice-Procurador Geral, que tinha atingido o limite de idade.

Depois disto, parece absolutamente descabido instaurar processos disciplinares aos seus subordinados por se terem considerado lesados na sua imagem. Já com os danos que isto causa na imagem do Ministério Público em geral, ninguém se parece preocupar.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

O abandono da profissão de advogado.

Esta notícia confirma o que há muito penso sobre as inscrições anuais de advogados na Ordem, que uma perspectiva corporativista da profissão quer a todo o custo travar, com o argumento que já há advogados a mais.

A verdade, no entanto, é que a inscrição na Ordem em nada garante que alguém vai conseguir exercer durante toda a sua vida a profissão de advogado. Há inúmeras dificuldades no exercício da nossa profissão, que levam muitos dos inscritos a abandoná-la passado algum tempo. Entre estas algumas podem ser resolvidas, como os atrasos no pagamento das oficiosas, sendo um escândalo que este problema ainda não tenha sido definitivamente ultrapassado. Mas há outras que são permanentes, sendo manifesto que a profissão de advogado não é — nem nunca foi! — um mar de rosas.

Não faz por isso qualquer sentido avançar com medidas corporativas para travar o acesso dos candidatos à Ordem dos Advogados, o que constitui uma forma enviesada de impedir a renovação da profissão. A profissão de advogado não está reservada a quem chegou primeiro, sendo uma profissão liberal, que deve poder ser livremente exercida por quem está disposto a suportar as exigências e sacrifícios que a mesma envolve. Conforme se pode ver, há muitos que desistem a meio desse percurso.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Novo chumbo do Orçamento da Ordem dos Advogados.

Já enjoa esta estratégia de reprovação constante do Orçamento da Ordem dos Advogados. A sensação que se tem é que a oposição a Marinho Pinto não prescinde de averbar uma pequeníssima vitória todos os anos, com uma inconsequente reprovação do Orçamento, sem se preocupar com a imagem da Ordem dos Advogados que isto dá à sociedade. Lá iremos portanto a ver a Ordem a ser gerida por duodécimos de duodécimos enquanto Marinho Pinto estiver em funções. Mas não me parece que seja com essa estratégia de terra queimada que se constrói alguma alternativa consistente. Afinal de contas se até a Assembleia da República aprovou um inenarrável — e até inconstitucional — Orçamento para 2011, o que é que impede os orgãos da Ordem de aprovar igualmente um Orçamento de contenção, por muito mau que ele seja?

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

O caso Wikileaks

É-nos aqui referido que os EUA estão a estudar uma forma de acusar criminalmente Assange pelas revelações que estão a ser realizadas pela Wikileaks. Vão ter que estudar muito para o fazer, uma vez que de acordo com os casos precedentes já decididos pelo Supreme Court Americano, vejo muito difícil que seja possível condenar o Sr. Assange, pese embora a enorme dimensão destas revelações e dos prejuízos que as mesmas podem causar aos Estados Unidos.

O caso mais frequentemente citado consiste nos Pentagon Papers (New York Times v. United States 403 US 713) relativamente à publicação pelo New York Times e pelo Washington Post de materiais classificados pelo Presidente Nixon, mais precisamente um estudo intitulado History of U.S. Decision-Making Process on Viet Nam Policy. O Supreme Court considerou que a protecção do I Aditamento à Constituição Americana, tal como os founding fathers o tinham escrito, implicava a possibilidade de publicação de qualquer material, sem nenhuma censura ou injunção, independentemente da forma como tinha sido obtida, e que a invocação da segurança do Estado não constitui motivo suficiente para retirar a protecção conferida pelo I Aditamento.

A questão da publicação de informação obtida com base em intercepção ilegal de comunicações aparece resolvida pelo Supreme Court no caso Bartnicki vs. Vopper 200 F.3d 109, de 21 de Maio de 2001, o primeiro caso em que o Supreme Court se pronunciou sobre a matéria. Tratava-se de uma situação em que um terceiro escutou e gravou uma conversa ao telemóvel entre representantes de um sindicato, a propósito da negociação de uma convenção colectiva com o seu empregador, e depois as entregou à imprensa, proibindo a lei da Pennsylvania a sua publicação. O Supreme Court considerou que a publicação da referida informação estava coberta pela liberdade de expressão consagrada no I Aditamento, uma vez que constituiria uma limitação a essa liberdade proibir os meios de comunicação social de discutir informação chegada ao seu conhecimento, e que o comportamento ilegal de um estranho não constituia fundamento para remover a protecção dada pelo I Aditamento à discussão pública de questões chegadas ao conhecimento público.

Face a estes precedentes, acho muito difícil que os Estados Unidos possam conseguir uma condenação do Sr. Assange. Claro que não é de excluir que, perante a dimensão do caso, o Supreme Court venha a alterar a sua jurisprudência anterior. Mas acho muito pouco provável que isso aconteça. Ao contrário do que sucede com o nosso Tribunal Constitucional, habitualmente envolvido na retórica das razões de Estado, o Supreme Court Americano leva muito a sério a protecção constitucional dos direitos fundamentais.




domingo, 12 de dezembro de 2010

Dublin - Green Park




O Saint Stephen's Green Park, no centro de Dublin, é um jardim vitoriano que permite uns momentos de repouso e tranquilidade, em contraste com o movimento e a animação que caracterizam esta linda cidade.

Dublin - Trinity College





O Trinity College em Dublin constitui a mais importante universidade da Irlanda. É apresentada como sendo uma das mais antigas da Europa, apesar de ter sido fundada apenas em 1592, ou seja, 300 anos depois da fundação da primeira universidade portuguesa, em Lisboa. Impressiona principalmente visitar a sua imponente biblioteca, onde se encontra em exposição o livro de Kells, um magnífico manuscrito dos evangelhos, ilustrado por monges copistas, por volta do ano 800 d.c.. É um fascínio contemplar tão magnífica obra de arte que conseguiu sobreviver à inexorável marcha do tempo.

Dublin - Os protestos contra o FMI



Efectivamente é visível um sentimento popular de revolta contra a necessidade de a Irlanda recorrer ao FMI. As pessoas não compreendem como foi possível em tão curto espaço de tempo atingir uma crise tão grande que os leve a precisar de uma injecção de capital destas dimensões, ao mesmo tempo que se apela a uma redução do défice a realizar no curtíssimo prazo de quatro anos. Pela cidade são visíveis os apelos ao protesto.

O Parlamento Irlandês





Tivemos oportunidade de visitar o Parlamento Irlandês, o qual tinha acabado de aprovar as controversas medidas financeiras acordadas com o FMI e com a União Europeia. Dentro deste edifício respira-se a história da luta da Irlanda pela sua independência e soberania plena. É por isso compreensível a resistência que os irlandeses têm em abdicar de parte da sua soberania. O sentimento geral é de que se está a renunciar a algo que custou muito a conquistar.

Imagens de Dublin










Dublin é uma cidade absolutamente fascinante. O bulício das ruas, onde as pessoas se afadigam em compras contrasta com a herança histórica de velhos edifícios como a Mansion House, as velhas Igrejas, o Templo Maçónico, e o Mercado das Arcadas que atribuem à cidade um encanto peculiar.


quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

De partida para a Irlanda.


Mais uma curta viagem, desta vez para a Irlanda, onde terei a oportunidade de apreciar no local as consequências para o país do recurso ao Fundo de Estabilização do Euro e ao FMI. É espantoso como se enterraram num instante os sonhos de prosperidade de um país, que até há pouco tempo vivia num período de euforia económica. Mas a crise financeira internacional atacou fortemente a Irlanda, devido à exposição dos seus bancos aos produtos financeiros norte-americanos. Hoje o desemprego assola o país, tendo subido nos últimos cinco anos de 3% para 13,5%, levando a que inúmeros irlandeses partam para o estrangeiro. Já se fala num êxodo da população, estimando-se que entre 2009 e 2011 a Irlanda possa perder 5% dos seus habitantes, com 200.000 pessoas a procurar uma vida melhor no estrangeiro. Não será uma realidade nova para os irlandeses, que já experimentaram vários êxodos ao longo da sua história, a isso se devendo a fortíssima comunidade irlandesa nos Estados Unidos da América. Mas é triste voltarmos a assistir a isto em pleno séc. XXI, depois das promessas de estabilidade que foram feitas aos irlandeses em consequência da adesão ao euro.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

A condenação do Estado Português no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

Conforme se noticia aqui, o Estado Português foi mais uma vez condenado no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, desta vez por violação da liberdade de imprensa resultante de uma condenação judicial nos nossos Tribunais. Começa a ser preocupante a quantidade de vezes que o Estado Português é condenado no TEDH, especialmente quando está em causa a lesão de direitos fundamentais, o que exprime uma grande incapacidade dos nossos tribunais em reprimir essas violações a nível interno.
A este propósito, lembro-me de uma conferência de Gert Brüggemeier, a que assisti em Washington, onde o autor sustentava que todos os Estados da União Europeia tinham presentemente três tribunais constitucionais: o seu próprio Tribunal Constitucional, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e o Tribunal de Justiça da União Europeia. No caso português, o facto de haver tantas acções nos Tribunais Europeus é mais uma demonstração cabal da incapacidade do nosso Tribunal Constitucional em assegurar uma adequada tutela dos direitos fundamentais. Ora, os cidadãos portugueses precisam de um tribunal que proteja os seus direitos fundamentais, pelo que, perante a sua falta a nível interno, não é de estranhar que se virem para os Tribunais Europeus.

domingo, 28 de novembro de 2010

A vitória de Marinho e Pinto.

Não me surpreendeu nada a vitória de Marinho e Pinto nas eleições para a Ordem dos Advogados. Já aqui tinha escrito há mais de um ano e meio que a estratégia completamente disparatada da sua oposição apenas iria levar à sua continuação à frente dos destinos da Ordem por muitos anos. Foi o que efectivamente se verificou.
As eleições demonstraram também de uma vez, para quem ainda tivesse dúvidas, que são os votos e não os apoios que decidem quem é eleito para os cargos da Ordem. Não vale por isso a pena surgirem candidatos exibindo apoios de antigos Bastonários ou de Presidentes dos Conselhos Distritais, julgando que tal os coloca na frente da linha de partida. Efectivamente, os apoiantes só garantem o seu próprio voto e na hora das urnas é a personalidade do candidato que efectivamente conta. Espero por isso que nas próximas eleições os candidatos acabem com esta prática ridícula de exibir apoios institucionais e se apresentem ao sufrágio dos candidatos apenas com a sua pessoa e com as suas propostas. É isso e apenas isso que é essencial para os advogados poderem avaliar as suas candidaturas.
Espero ainda que neste novo mandato os órgãos da Ordem terminem com as questiúnculas meramente internas em que foi pródigo o mandato anterior e que nada interessam aos advogados. É confrangedor para muitos colegas, que atravessam enormes dificuldades nos seus escritórios, assistir a discussões sobre a distribuição das receitas da Ordem pelos seus órgãos ou sobre as remunerações dos seus funcionários. Exige-se antes que os órgãos da Ordem estejam integralmente virados para a defesa da profissão e dos advogados. É isso que os advogados têm o direito de esperar da sua Ordem.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Aniversário da Faculdade de Direito de Bissau

Faz hoje vinte anos a Faculdade de Direito de Bissau, que constitui o mais antigo programa da cooperação portuguesa em África, realizado por intermédio da Faculdade de Direito de Lisboa.

Tive ocasião de coordenar esse projecto entre 1999 e 2002 na altura em que a cooperação foi interrompida em virtude da guerra e se teve que retomar o curso de Direito após uma interrupção de dois anos. Mas quer do lado guineense quer do lado português houve vontade de lutar pela continuação da Faculdade contra todas as adversidades que na altura surgiram. Congratulo-me por isso com os vinte anos da Faculdade de Direito de Bissau e deixo aqui de Lisboa os meus votos: Ad multos annos.

A manifestação na Ordem dos Advogados.

Já tinha escrito aqui que realizar uma manifestação contra o exame de acesso ao estágio na Ordem dos Advogados era um perfeito disparate. Realizá-la no dia das eleições para os órgãos da Ordem então é um disparate ao quadrado. Os estudantes de Direito acabam de fazer no próprio dia das eleições a melhor acção de campanha a favor da reeleição de Marinho Pinto.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

A irrelevância da Constituição.

Quando se fizer a história da crise económica, financeira, e sobretudo moral, que o País está a atravessar, não se deixará de salientar que a primeira vítima de tudo o que se passou foi a nossa Constituição, escandalosamente violada vezes sem conta, com a complacência do Tribunal Constitucional e também dos nossos constitucionalistas, que trocam facilmente as normas constitucionais pela retórica vazia de um discurso sobre a crise.

Só comparo esta situação com o célebre discurso de Passos Manuel, após a Revolução Setembrista: "Senhor Presidente exercemos a ditadura; e eu confesso francamente que violamos um sem número de artigos da Constituição de 22 (…). Somos filhos da revolução e a revolução pode destruir trono, altar, leis e Constituição". Substitua-se nesta citação a palavra "revolução" por "crise financeira" e ver-se-á que não estamos longe da mesma realidade.

Depois de o Tribunal Constitucional ter legitimado a escandalosa retroactividade da lei fiscal, contra o que a Constituição expressamente determina, já por mim aqui criticado, surgem agora constitucionalistas a considerar que a ainda mais escandalosa redução de salários na função pública só será inconstitucional se for "definitiva", porque se for "provisória" já não haverá problema. Esta peregrina tese veio a ser defendida por Marcelo Rebelo de Sousa no seu comentário na TVI e agora vem a ser seguida por Jorge Bacelar Gouveia. Parece, portanto, que a Constituição livremente permite uma redução de salários por um ou vários anos, só havendo problema constitucional se a redução for "para sempre", como decretou o Ministro das Finanças.

Assim, se os visados pela "provisória" redução de salários tiverem o azar de entrar em insolvência ou mesmo morrerem de fome durante esse ano, nunca haverá qualquer problema constitucional, uma vez que a "provisoriedade" da situação tudo resolve. Grave para a Constituição é que se tenha dito que a redução era definitiva. Naturalmente que o Tribunal Constitucional não deixará de ficar satisfeito e fazer pleno uso desta doutrina constitucional.

Aliás, já o fez anteriormente no seu tristemente célebre Acórdão 11/83, que legitimou o imposto retroactivo lançado pelo Bloco Central, argumentando com o carácter "extraordinário" "único" e "excepcional" desse imposto. Na altura, em voto de vencido, Vital Moreira escreveu que todas as inconstitucionalidades "começam por ser extraordinárias, excepcionais e únicas, e não consta que qualquer órgão de direcção política em qualquer Estado alguma vez tenha deixado de invocar o carácter extraordinário e excepcional para justificar medidas inconstitucionais. Mais: essas invocação é muitas vezes indício seguro da consciência da ilegitimidade constitucional das medidas em causa".

Nesta época de crise económica, a Constituição deveria ser o último reduto de defesa dos cidadãos contra a voracidade do Estado. Infelizmente, está demonstrado que a crise financeira pode mais que o texto da Constituição, e que os nossos constitucionalistas preferem maioritariamente alinhar com o Estado no seu ataque aos direitos dos cidadãos. Os tempos estão maus para quem ainda acredita na "luta pelo Direito", de que falava Jhering.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

O Prós e Contras sobre as eleições na Ordem dos Advogados.

Confesso a minha profunda desilusão com o debate eleitoral que tem vindo a decorrer nas eleições para a Ordem dos Advogados. Decidi não apoiar nenhum candidato, uma vez que me pareceu evidente desde o início que estas eleições não passariam de mais um episódio da guerra sem quartel que tem sido travada nos últimos anos entre o actual Bastonário e a sua oposição, da qual a Ordem dos Advogados ameaça sair completamente esfrangalhada. E tudo isto a propósito de questões meramente internas como a repartição das receitas entre os órgãos da Ordem, ou a participação ou não dos representantes dos Conselhos Distritais no Conselho Geral, questões absolutamente estéreis a que a esmagadora maioria dos advogados é completamente alheia.

Infelizmente a forma como está a decorrer o debate eleitoral confirma integralmente os meus piores receios. Em lugar de se debater o futuro da Ordem e da advocacia nesta época de crise que a todos atinge, discutem-se apenas os três anos do mandato de Marinho Pinto. A oposição acusa-o de ter lançado o caos na Ordem e este responde ensaiando uma vitimização pela contestação que teve durante o seu mandato. Temos em consequência a sensação de estar a assistir a uma guerra de comadres, em que a troca de galhardetes entre os candidatos substituiu completamente o debate sério e racional.

O exemplo acabado disto foi o programa "Prós e Contras" de ontem, que me parece que foi prejudicial para todos os candidatos e, se serviu para alguma coisa, foi para aumentar o desinteresse dos advogados por estas eleições.

Neste programa, o actual Bastonário partia com vantagem, dadas as suas conhecidas capacidades mediáticas. E de facto conseguiu acabar bem o debate, explorando o erro dos seus adversários em criticarem o seu protagonismo. Mas foi perfeitamente visível que o seu discurso está completamente gasto, consistindo na repetição constante de uma cassete, a que cada vez menos ligam. E teve um momento que achei de um péssimo gosto, que foi o ataque que fez a João Correia, quando ele não estava lá para se defender. Não obstante, é capaz de conseguir bastante votos, especialmente em virtude das dificuldades que está a criar em relação à entrada nos estágios da Ordem o que, apesar de escandalosamente ilegal e sobretudo injusto para as novas gerações, pode ser compensador eleitoralmente.

Em relação a Fragoso Marques, devo dizer que considerei um erro a forma como surgiu a sua candidatura, o que o tem vindo a prejudicar nestas eleições. Tendo sido apresentado desde o início como o candidato dos Conselhos Distritais e dos antigos Bastonários contra o actual, dificilmente poderia ser visto como pacificador da Ordem, quando as suas características pessoais até apontam nesse sentido. Marinho Pinto tem conseguido por isso passar a mensagem de que ele é o rosto da oposição. Acresce que, embora tenha sido Presidente do Conselho Distrital de Lisboa, já o foi há alguns anos, pelo que os jovens advogados, que constituem a esmagadora maioria dos votantes, não o conhecem. No debate foi altamente prejudicado com a troca da sua imagem pela de António Cabrita, o que contribuiu para acentuar perante os espectadores que tem um défice de presença mediática muito grande em relação aos seus dois oponentes. Mas é verdade que surge com muito mais apoios das grandes figuras da Ordem, embora não me pareça que esses apoios sejam decisivos na altura do voto.

Em relação a Luís Filipe Carvalho, a sua candidatura assume-se claramente como uma continuação da de Rogério Alves, pretendendo um regresso aos tempos deste. São tempos que a mim não me deixaram saudades, uma vez que assistimos sem uma palavra da Ordem a ataques brutais do Governo à advocacia, como a redução das férias judiciais, o novo regime do apoio judiciário e os atrasos no pagamento deste, ou a extinção das transferências de uma percentagem da procuradoria para a Caixa de Previdência. Mas a visibilidade mediática do candidato — constantemente explorada pelo seu papel de comentador televisivo — pode vir a ser uma vantagem eleitoral preciosa. Também aqui seria uma repetição da receita de Rogério Alves, embora este ontem tenha demonstrado que as suas intervenções têm um nível muito superior às do candidato que apoia.

O debate teve ainda momentos patéticos, que deveriam ter sido evitados por advogados tão experientes. Um deles foi quando se discutiu quem é que tinha mais advogados do processo Casa Pia nas suas listas. Outro foi quando Luís Filipe Carvalho criticou as intervenções de Marinho nos processos judiciais, levando logo como resposta uma chamada de atenção para o seu comentário em directo durante horas à sentença que ia sendo lida no processo Casa Pia. Outro foi quando Fragoso Marques disse que a função do Bastonário era estar calado. Outro foi quando Marinho criticou Fragoso Marques por ter a mesma agência de comunicação de Magalhães e Silva. Este tipo de momentos descredibiliza completamente a imagem dos candidatos na opinião pública.

Mas, a meu ver, o momento mais infeliz de todo o debate foi quando nenhum dos candidatos foi capaz de ter uma palavra de crítica para uma medida de austeridade tão radical como a redução de salários na função pública. Se há batalha em que a Ordem dos Advogados se deveria empenhar em defesa dos cidadãos injustamente espoliados era precisamente essa.





domingo, 7 de novembro de 2010

De volta a Angola


Mais uma viagem a Luanda para leccionar um curso de pós-graduação na Universidade Agostinho Neto. Aproveitarei para assistir às comemorações dos 35 anos da independência de Angola. Neste momento, enquanto Portugal está em risco de bancarrota e na perspectiva de ter que solicitar ajuda ao FMI, Angola é dos países que mais cresce no mundo.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Em defesa da extinção do Tribunal Constitucional.

Já há muito tempo que sou de opinião que o Tribunal Constitucional deveria ser extinto, sendo as suas funções atribuídas a uma secção do Supremo Tribunal de Justiça, composta exclusivamente por magistrados de carreira. Efectivamente, o que se tem vindo a verificar é que a forma de designação dos juízes para o Tribunal Constitucional, por indicação dos partidos ou por cooptação, leva a que as suas decisões sejam profundamente baseadas em razões políticas, que contaminam a apreciação jurídica das questões.

Um exemplo desta situação é o recente Acórdão 399/2010, cuja fundamentação política é mais que evidente. Efectivamente, o Acórdão não considera inconstitucional uma lei fiscal retroactiva, quando a Constituição proíbe os impostos com natureza retroactiva, porque imagine-se, "do exposto resulta que as Leis n.ºs 11/2010 e 12-A/2010 prosseguem um fim constitucionalmente legítimo, isto é, a obtenção de receita fiscal para fins de equilíbrio das contas públicas, têm carácter urgente e premente e no contexto de anúncio das medidas conjuntas de combate ao défice e à dívida pública acumulada, não são susceptíveis de afectar o princípio da confiança ínsito no Estado de Direito, pelo que não é possível formular um juízo de inconstitucionalidade sobre a normas dos artigos 1.º e 2.º da Lei n.º 11/2010, de 15 de Junho, nem sobre as normas dos artigos 1.º e 20.º da Lei n.º 12-A/2010, de 30 de Junho, na medida em que estes preceitos se destinam a produzir efeitos a partir de 1 de Janeiro de 2010". Ou seja, a argumentação do Tribunal Constitucional é a de que, se o objectivo do Estado é obter receita fiscal para o equilíbrio das contas públicas, pode livremente aplicar leis fiscais retroactivas.

Este acórdão vem na sequência do tristemente célebre Acórdão 11/83, onde o Tribunal usou argumentação semelhante para deixar passar um imposto extraordinário retroactivo, acórdão esse, et pour cause, ainda hoje ausente do site do Tribunal Constitucional. Nessa altura, num excelente voto de vencido a esse Acórdão, Vital Moreira escreveu: "Nenhuma razão de Estado (...) pode prevalecer contra a razão da Constituição". E praticamente toda a doutrina criticou esse Acórdão, tendo considerado que o Tribunal Constitucional tinha começado as suas funções com o pé esquerdo. A reacção a esse infeliz Acórdão foi uma das razões que justificou que se alterasse a Constituição para consagrar expressamente a proibição da retroactividade. Mas pelos vistos, tanto faz o que diga a Constituição porque a razão de Estado será sempre prevalecente.

Diz o povo que o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita. O Tribunal Constitucional começou mal com o Acórdão 11/83 e termina agora pior com este Acórdão 399/2010. A meu ver, estamos perante o verdadeiro canto do cisne do Tribunal Constitucional.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Os simplismos III.

Uma nova versão dos simplismos, ainda mais patética do que a anterior, foi agora introduzida no Diário da República e dá pelo nome de "resumo em português claro", assumindo-se assim que o legislador escreve em português obscuro, pelo que haverá agora que o traduzir para permitir o acesso aos espíritos mais comuns. Pareceria mais simples ensinar regras correctas de redacção e expressão em português corrente, mas isso estragaria o processo de simplificação. Afinal de contas o que é simples é escrever leis em dois discursos, um obscuro e outro claro, e resumir a versão obscura em português claro. E há quem ache que isto é simplificar.

Um exemplo de "resumo em português claro" pode encontrar-se em relação ao Decreto-Lei 117/2010, de 25 de Outubro que "estabelece os critérios de sustentabilidade para a produção e utilização de biocombustíveis e biolíquidos e define os limites de incorporação obrigatória de biocombustíveis para os anos 2011 a 2020, transpondo os artigos 17.º a 19.º e os anexos III e V da Directiva n.º 2009/28/CE, do Conselho e do Parlamento Europeu, de 23 de Abril, e o n.º 6 do artigo 1.º e o anexo IV da Directiva n.º 2009/30/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Abril". Fiquei curiosíssimo para saber como se traduziria este diploma em português claro. Parece que é assim: Explica-se "o que é", "o que vai ser feito" e "quando entra em vigor", naturalmente as perguntas mais básicas que se fazem em relação a um diploma.

Mas quando se entra no concreto, lá desaparece o "português claro". Ora, atente-se neste parágrafo, símbolo de concisão e clareza: "Até 31 de Maio os incorporadores têm de entregar à Direcção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) os TdB que comprovam a quantidade de biocombustível que incorporaram no ano anterior. Se não tiverem incorporado biocombustível suficiente, podem comprar TdB aos produtores ou a outros incorporadores. Se não entregarem TdB suficientes para cumprir a meta, têm de pagar uma compensação por cada TdB em falta".

Eu só me pergunto quanto é que custa aos contribuintes esta actividade completamente inútil. Não haverá nada mais importante a realizar nesta área, onde os dinheiros públicos poderiam ser melhor empregues?

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Os simplismos II

Se alguém tinha dúvidas sobre o verdadeiro disparate que é o Simplegis, esta noticia desfá-las todas. Nao terá o Governo nada mais para fazer no Portugal do século XXI do que andar a procurar revogar os diplomas relativos a situação pessoal de Américo Tomás?

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

As declarações da Senhora Merkel.

Depois da política de Sarkozy de expulsão indiscriminada de ciganos, temos agora estas declarações da Senhora Merkel a declarar a falência do multiculturalismo na Alemanha, e a propugnar uma nova política restritiva de imigração, onde até a liberdade religiosa dos imigrantes é questionada. Tudo isto a pretexto de uma "integração", esquecendo-se que a integração se faz precisamente respeitando a diversidade dos seus elementos componentes.

Temos agora o eixo franco-alemão a funcionar em pleno como motor da União Europeia. A sensação que se tem é que agora há dois Estados que mandam na Europa e que já esqueceram todos os valores que estiveram na base da construção europeia. E nem sequer a Comissão Europeia, sob a presidência do nosso conterrâneo Durão Barroso, demonstra alguma capacidade de resistência perante o Diktat franco-alemão.

Como admirador da cultura alemã, tenho pena de assistir a uma sua chanceler a pôr em causa com estas declarações todos os valores que estiveram na base da reconstrução da sociedade alemã no Pós-Guerra. É verdade que a Senhora Merkel vem da ex-RDA, e não terá por isso assistido a esse percurso. Eu recomendava-lhe, no entanto, que fosse ver o magnífico filme de Rainer Werner Fassbinder, Angst essen Seele auf, sobre as dificuldades e a incompreensão que os imigrantes suportaram na Alemanha, a eles se devendo grande parte do trabalho efectuado na reconstrução alemã. Talvez aí pensasse um pouco sobre a sua declaração de falência do multiculturalismo na Alemanha.

É manifesto que a crise dramática que atravessamos é o caldo de cultura ideal pra o surgimento de uma vaga de xenofobia, procurando transformar os imigrantes em bodes expiatórios da crise. E Portugal não está livre disso. Como bem disse João Gonçalves, "esta coisa da pen às vezes acaba em Le Pen".

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Os simplismos.

Se há coisa em que este Governo tem sido insistente é na obsessão com a simplificação, esquecendo que certas tarefas do Estado moderno são por natureza complexas. Vende-se, porém, aos cidadãos a ideia de que tudo agora é simples e que, se chegar a uma qualquer repartição, todos os assuntos serão imediatamente resolvidos. A realidade dos factos mostra, no entanto, que tudo não passa de propaganda, ou que as pretensas facilidades acabam por complicar muito mais a vida dos cidadãos, dos quais o Estado continua absolutamente distante. Lembre-se o que foi ter-se recentemente pedido aos beneficiários de subsídios da Segurança Social que fizessem prova dos seus rendimentos… pela internet (!). O resultado foi naturalmente a criação de enormes filas nesses serviços, tudo porque ninguém se lembrou que não é suposto esses beneficiários possuirem dinheiro para computadores e internet.

Mas como a propaganda da simplificação vai de vento em popa, avançou naturalmente o Simplex, que já vai em "quatro anos a simplificar", o que demonstra que simplificar também pode ser um processo complexo e moroso. Depois veio o Simplex autárquico, lançado há dois anos, o qual na Câmara Municipal de Lisboa vem a ser pomposamente, e com maior rigor no latim, chamado de Simplis. Todos sabemos, no entanto, que a burocracia continua triunfante. Os que têm processos por resolver nas repartições do Estado e nas Câmaras sabem perfeitamente do que estou a falar.

Mas como estes simplismos não chegam, o Governo resolve agora lançar um Simplex legislativo a que chama Simplegis. Se o objectivo fosse apenas tornar as leis mais claras, a iniciativa até seria louvável, uma vez que como jurista fico por vezes perplexo com certos textos legislativos, escritos por quem às vezes parece nem sequer saber como se escreve em português. Sempre pensei, no entanto, que isso resulta pura e simplesmente da urgência e precipitação com que se legisla em Portugal. Por exemplo, olhe-se para a clareza de textos como o Código Civil de 1966 e verifica-se logo como a preparação, a ponderação e a competência dos autores do projecto conduzem a boas leis.

No entanto, o que o Governo não é a clareza das leis, mas antes a do ordenamento jurídico e por isso pretende revogar "diplomas que já não são aplicados, mas que nunca foram revogados expressamente". Que utilidade pode isto ter? Vai-se revogar expressamente diplomas já revogados tacitamente? Ou vai-se declarar arbitrariamente o desuso de diplomas antigos que nunca foram revogados? E nesse caso eles não são substituídos? E vai-se começar aonde? Na Lei da Boa Razão do Marquês de Pombal, que nunca foi expressamente revogada, embora tenha deixado de vigorar com o Código Civil de 1867? Na lei de D. Manuel I que determinou a expulsão e conversão obrigatória dos judeus de Portugal, tacitamente revogada pela Constituição de 1822? Ou ainda vamos à procura das leis dos Reis da Primeira Dinastia?

Haverá assim seguramente muito diploma para revogar expressamente. Não admira por isso que o Governo afirme que "em 2010 serão revogados pelo menos 300 leis, decretos-leis e decretos regulamentares nestas condições e será assumido um compromisso de revogar mais diplomas do que os aprovados". O trabalho do Governo passa agora a andar à procura de leis antigas para revogar, enchendo o Diário da República de revogações inúteis. E chamam a isto simplificação. Eu vejo aqui ainda mais burocracia. Na verdade, o Diário da República vai aumentar de dimensão de forma considerável, levando a muito mais trabalho dos juristas para o ler.

Este tipo de simplismo parece-me obra de simplórios.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

A situação no Ministério Público.

Não tenho memória de alguma vez no nosso regime democrático, o Ministério Público estar a atravessar uma situação tão complexa como a que vive presentemente. Infelizmente, no entanto, parece que o poder político entende alhear-se completamente da situação, o que contribui ainda mais para o descrédito das nossas instituições, o que é especialmente sério numa época de crise como a que atravessamos.
Um Ministério Público autónomo e prestigiado é essencial para que os cidadãos possam confiar no sistema de justiça, e sem a confiança dos cidadãos na justiça são os próprios fundamentos do Estado Democrático que são postos em causa. Os responsáveis pelo Ministério Público têm por isso o dever de nada fazer que possa acarretar qualquer prejuízo para a imagem da instituição de que fazem parte, que é a garantia do funcionamento do Estado de Direito.
Não se compreende por isso que um Procurador-Geral da República procure manter o seu Vice em funções após o limite de idade, e quando não consegue que a Assembleia da República o consinta, sejam proferidas rectificações relativas à autoria de despachos, segundo é noticiado aqui e pode ser confrontado aqui. Mas ainda menos se compreende que o Procurador-Geral da República resolva justificar como devido ao "cansaço" os pedidos de saída de magistrados do DCIAP acabando por ser desmentido pelos próprios.
Diz o PGR que existe "uma campanha para desestabilizar o DCIAP". Não parece, no entanto, que a desestabilização — que não é apenas do DCIAP mas de todo o Ministério Público — resulte de qualquer campanha externa. São os próprios responsáveis do Ministério Público que estão a contribuir para descredibilizar a instituição a que pertencem. E deve-se dizer, em abono da verdade, que o contributo mais sério tem sido dado pelas sucessivas declarações públicas do próprio PGR.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Um prémio Nobel justíssimo


Congratulo-me com esta notícia da atribuição do Prémio Nobel da Literatura 2010 a Mário Vargas Lllosa. Depois de tantos anos em que a Academia Sueca atribuiu o Nobel a escritores medíocres, desta vez acertou em cheio. Vargas Llosa é um escritor de nível universal, tendo retratado a realidade latino-americana de uma forma admirável. Entre os seus livros saliento La Guerra del Fin del Mundo sobre a revolta dos Canudos no Brasil do séc. XIX, onde o autor retrata a alienação colectiva que uma seita religiosa pode provocar, e La Festa del Chivo, sobre a sinistra ditadura de Trujillo na República Dominicana. Obras extraordinárias que nos dão a conhecer uma parte do mundo completamente diferente da realidade europeia.
A única coisa que tenho pena em relação a Vargas Llosa foi que a sua intervenção política não tenha tido o mesmo sucesso que a literária. Afinal perdeu as eleições para a presidência do Peru para Alberto Fujimori, que se veio a revelar um ditador sinistro. A política é uma arte muito difícil, que nem sempre está ao alcance dos intelectuais, por muito brilhantes que sejam.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

A situação do Vice-Procurador Geral da República III

Como não podia deixar de ser, os deputados fizeram o que lhes competia e rejeitaram a absurda proposta de criar uma norma para resolver um caso particular. Os responsáveis por essa proposta deveriam tirar as devidas ilações do resultado da votação, mas já sabemos que tal nunca irá suceder. Para que não voltem a cair em disparate semelhante, recomendo desde já a leitura desta obra de Gregor Kirchof sobre a generalidade da lei, garantia necessária da liberdade, da igualdade e da democracia. Mas, no caso de não conseguirem ter acesso à moderna doutrina alemã, devo dizer que a simples leitura de qualquer manual de Introdução ao Estudo do Direito também deveria bastar para se conhecer as características das leis, e saber que num Estado de Direito democrático é absolutamente inadmissível a criação de leis-retrato.

domingo, 26 de setembro de 2010

A situação do Vice-Procurador Geral da República II

Já tive aqui ocasião de escrever contra a situação insustentável que é a manutenção em funções do Vice-Procurador Geral da República, violando as regras legais sobre a jubilação dos magistrados numa instituição que tem por missão precisamente defender a legalidade democrática. Mas essa situação parece vir a eternizar-se, sem que ninguém lhe ponha termo, lesando gravemente a imagem do Ministério Público perante os cidadãos.
Ao que parece, o Parlamento vai rejeitar a proposta do PGR no sentido de criar uma lei retroactiva que sanasse a ilegalidade manifesta da continuação em funções do seu Vice. Só o facto de uma proposta dessa natureza ser apresentada e discutida no Parlamento demonstra bem o estado de degradação que atingiu as nossas instituições. Será que noutro país europeu algum Procurador-Geral pensaria sequer em submeter ao Parlamento um projecto legislativo destinado a evitar a jubilação de um seu colaborador próximo? E, mesmo que o fizesse, será que nesse outro país europeu algum deputado, fosse de que partido fosse, admitiria sequer discutir um projecto-lei destinado a resolver um caso pessoal? O sentido de Estado, que todos os membros dos órgãos de soberania devem observar, não deveria impedir o surgimento de casos destes?
Este caso é um sintoma altamente preocupante da crise que atinge o nosso País. E essa crise não é apenas de credibilidade financeira. Atinge profundamente a credibilidade das nossas próprias instituições.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Sarkozy e os ciganos.

A decisão do Presidente francês Sarkozy de expulsão das comunidades ciganas de França constitui um grosseiro atentado aos direitos humanos e uma ofensa brutal aos valores europeus. Naturalmente que qualquer Estado tem o direto de controlar a imigração no seu território, mas não é aceitável a prática de expulsões selectivas, baseadas na pertença a minorias étnicas. Sarkozy, com esta atitude, vai de certeza conseguir os votos da extrema direita, essenciais para a sua reeleição, mas lesou a imagem da Europa enquanto espaço comum de liberdade. Não há ninguém que lhe lembre a divisa de França: "Liberté, Egalité, Fraternité"?

sábado, 4 de setembro de 2010

Uma "notícia" do Público.

Fiquei absolutamente surpreendido por esta notícia do Público, com o extraordinário título "Magistrados do STA 'consentem' evasão fiscal das fortunas", o que constitui uma acusação gravíssima, que não me parece que o uso das aspas elimine. O sensacionalismo desse título apenas é atenuado pela explicação: "Decisão do Supremo Tribunal Administrativo cria polémica". Só que quando lemos a notícia não encontramos polémica absolutamente nenhuma, uma vez que o jornalista apenas faz referência à existência de votos de vencido no acórdão 734/09 do Supremo Tribunal Administrativo, o que é perfeitamente comum nos recursos de oposição de acórdãos. Pessoalmente, devo dizer que me parece correcta a decisão que fez vencimento.
A seguir, no entanto, o jornalista entra numa crítica cerrada ao referido acórdão, perfilhando a opinião dos votos de vencido, o que implica estar a escrever por isso um texto de opinião jurídica, e não uma verdadeira notícia. É extremamente comum que surjam anotações críticas de jurisprudência, mas não as esperaríamos encontrar num jornal generalista, mas antes em revistas especializadas. Agora o jornal em questão deveria especificar que se trata de um texto de opinião, uma vez que não vemos que aqui exista qualquer relato de factos, para além da crítica à decisão do Tribunal.
A crítica é, no entanto, feita em termos que me parecem absolutamente inaceitáveis. Na verdade escreve-se que "o acórdão redigido por Isabel Marques da Silva (734/09), magistrada que é filha do conhecido jurista Germano Marques da Silva, conseguiu alterar o entendimento do Pleno". Em primeiro lugar, não vejo a que propósito uma magistrada de um dos nossos Supremos Tribunais, e portanto no topo da carreira, deve ser identificada através da referência aos seus familiares próximos. E não se vê a que título se afirma que ela "conseguiu alterar o entendimento do Pleno", como se o entendimento do Pleno não resultasse precisamente da decisão tomada no recurso com base na oposição de acórdãos.
Para além disso, o texto do jornalista entra em diversas incorrecções e omissões jurídicas que não nos parecem aceitáveis quando alguém pretende criticar uma decisão judicial. O jornalista só cita a Lei 30-G/2000, de 29 de Dezembro, quando o que está em causa é o art. 89º-A da Lei Geral Tributária, que aquela lei introduziu, e que já teve cinco versões depois dessa lei. Neste caso, uma vez que se tratava de rendimentos de 2004, a versão aplicável é a da Lei 107-B/2003, de 31 de Dezembro. O jornalista refere, no entanto, com espanto, que "o acórdão do Pleno ainda cita a versão antiga da lei e omite que o legislador a alterou" entendendo que deveria ser aplicada aos rendimentos de 2004 uma alteração da LGT (a da Lei 55-B/2004, de 30 de Dezembro), com início de vigência em 2005, pretendendo assim aplicar retroactivamente uma norma de incidência fiscal. Parecem-me erros a mais para quem é tão afoito a criticar uma decisão judicial por, imagine-se, "reduzir os rendimentos fixados pelo fisco".
Quando compro um jornal, gosto que ele respeite o lema do New York Times: "All the news that's fit to print". Textos apresentados como notícias devem corresponder a um relato objectivo e transparente de factos. Textos de opinião jurídica devem ser identificados expressamente como tal. Neste caso, é manifesto que o Público errou. E não foi pouco.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

O crime continuado

Um dos traços mais revoltantes da Reforma Penal de 2007 foi a alteração ao art. 30º, nº3, do Código Penal, que veio permitir a aplicação da figura do crime continuado aos crimes contra bens eminentemente pessoais, tratando-se da mesma vítima. Essa alteração é insustentável, uma vez que não é concebível que alguém que comete vários crimes contra uma única vítima, provocando naturalmente muito maior sofrimento a esta, obtenha da lei um tratamento de favor face a quem comete precisamente os mesmos crimes perante vítimas diversas.
Na altura, chegou-se a defender publicamente que esta alteração visava a situação particular do processo Casa Pia, o que, a ser verdade, revestiria foros de verdadeiro escândalo. Já é grave que uma Reforma Penal seja realizada a quente, em reacção a um processo concreto, como claramente foi o caso desta. Mas seria gravíssimo que uma alteração ao Código Penal fosse realizada no intuito específico de alterar a moldura penal de pessoas já acusadas nesse processo, face ao princípio de aplicação retroactiva da lei penal mais favorável. No entanto, nenhum dos responsáveis por essa alteração apareceu publicamente a justificá-la, o que me levou na altura a referir que estávamos perante um legislador sem rosto, ditando sem qualquer fundamento normas absolutamente injustificáveis.
Simbolicamente, essa disposição vem a ser alterada (no bom sentido) no próprio dia da leitura do acórdão do processo Casa Pia, através da Lei 40/2010, de 3 de Setembro. Congratulo-me com essa alteração, mas não deixo de considerar inconcebível que uma norma desta natureza possa ter estado em vigor durante três anos. Isso é que constituiu um verdadeiro crime continuado de natureza legislativa.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

O inquérito ao processo Freeport.

O Procurador Geral da República tem o hábito de utilizar o Verão para tomar insólitas decisões. O ano passado brindou-nos com a novidade processual de proferir despachos ocultos sobre as escutas do processo Face Oculta, alegadamente fora do âmbito de qualquer processo. Este ano manda abrir um inquérito sobre a forma como decorreu o processo Freeport para averiguar "as razões por que não foi suscitada, na altura própria a necessidade de prorrogar o prazo concedido para encerrar o inquérito, designadamente para serem feitas as perguntas que no despacho de encerramento ficaram expressamente indicadas".
Confesso que tenho dificuldade em compreender que um inquérito com a dimensão política do processo Freeport possa ser encerrado sem que o Procurador Geral da República tenha conhecimento prévio do despacho de encerramento. Paradoxalmente, no entanto, o Procurador Geral mostrou-se surpreendido com o teor desse despacho, criticando o facto de nele terem sido incluídas referências a diligências que ficaram por fazer, dizendo até que não tinha memória de alguma vez ter visto um despacho assim.
Soube-se depois que o processo foi encerrado porque o Vice-Procurador Geral estabeleceu abruptamente um prazo para a sua conclusão, o que levou a que os Procuradores o tivessem que encerrar, acordando com a hierarquia a inclusão daquelas menções no despacho de arquivamento.
Ora, quando numa magistratura hierarquizada um superior hierárquico estabelece um prazo para terminar um inquérito, não me parece que os seus subordinados possam ser questionados sobre a razão por que não pediram a prorrogação desse prazo. Antes é a hierarquia que tem que responder sobre a razão por que deu essa ordem, inviabilizando a realização das diligências programadas. Mas infelizmente temos vindo a assistir a uma extraordinária opacidade em relação às decisões tomadas ao mais alto nível na Procuradoria-Geral da República, o que é incompatível com a transparência que deve caracterizar as instituições democráticas, principalmente no sistema de justiça.
Perante as legítimas preocupações dos cidadãos sobre esta forma de gestão do Ministério Público, em lugar de assumir as suas responsabilidades, o Procurador Geral da República primeiro ataca o sindicato e depois abre inquérito sobre a forma de condução de um processo que esteve sempre sob controle directo da hierarquia, onde questiona os seus subordinados sobre as razões por que não questionaram uma decisão do seu Vice-Procurador, o qual aliás permanece em funções depois de ter atingido o limite de idade.
O Procurador Geral da República pode comparar-se à Rainha de Inglaterra, mas não deixa de causar a impressão que o Ministério Público está presentemente sem rei nem roque.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Em defesa da transparência na aplicação da justiça.

O incêndio que nos últimos tempos grassou nas cúpulas do Ministério Público tem vindo a servir de pretexto para o surgimento de ataques absolutamente inaceitáveis à transparência que numa sociedade democrática deve existir na aplicação da Justiça. Na verdade, o nosso sistema de Justiça está neste momento debaixo de fogo, existindo uma claríssima intervenção política que pretende instituir autênticas mordaças em torno do nosso processo penal, pretendendo transformá-lo num processo secreto, a lembrar os tempos da inquisição.
A situação começou com a escandalosa reforma do Código de Processo Penal de 2007, a proibir a publicação de escutas, mesmo depois de o processo deixar de estar em segredo de justiça, a não ser que o visado em tal consinta. Apesar dos ecos favoráveis que teve na Itália de Berlusconi, essa norma não tem qualquer paralelo num sistema democrático, sendo inaceitável que a notícia sobre prova existente num processo público possa ficar dependente da autorização de privados. A liberdade de imprensa, essencial num sistema democrático, fica assim à porta do nosso processo penal.
O ataque à liberdade de imprensa é, porém, acentuado quando determinados juristas e jornalistas se unem na praça pública para tentar impedir que os jornalistas possam ser assistentes no processo penal, nos crimes em que a lei permite que "qualquer pessoa" o seja. Trata-se de crimes que atentam contra valores de toda a colectividade, sendo por isso que a lei reconhece a qualquer cidadão o direito de neles se constituir assistente, independentemente de ser jornalista, advogado, médico, estudante, pedreiro ou desempregado. E a partir do momento em que o processo deixa de estar em segredo de justiça pode ser livremente noticiado pelo jornalista, sendo irrelevante que ele seja ou não assistente no processo, embora deva avisar os leitores dessa sua qualidade. Procurar impedir os jornalistas de se constituirem assistentes constitui mais uma tentativa de reforçar a obscuridade do nosso processo penal, sendo evidente que tal não ficará por aí, uma vez que o que interessará é eliminar a possibilidade de controlo pelos cidadãos do decurso desses processos, que está subjacente à atribuição da possibilidade a qualquer pessoa de se constituir assistente. O mais provável será a eliminação dessa possibilidade em futura alteração legislativa, assim impedindo o controlo pela sociedade desses crimes.
Mas onde a tentativa de criar mordaças na Justiça atinge o zénite é quando se propõe a consagração na Constituição (!) da proibição de sindicatos nas magistraturas. Trata-se de uma situação típica de regimes ditatoriais, contrária à liberdade sindical entre nós justamente consagrada. Os magistrados, como profissionais sujeitos a um estatuto de natureza laboral, têm todo o direito de se organizar em sindicatos, tendo estes sindicatos dado um valioso contributo para a denúncia das situações que têm ocorrido no âmbito das magistraturas e apresentado propostas para a reforma do sistema. Pretender transformar os sindicatos de magistrados em bodes expiatórios dos males da Justiça, revendo a Constituição para os proibir, é absolutamente inaceitável num país europeu, parecendo uma solução típica de uma ditadura do terceiro mundo.
É manifesto que estamos na silly season, mas escusávamos de ouvir tantas propostas disparatadas sobre o nosso sistema de Justiça.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

A situação do Vice-Procurador Geral da República.

Esta notícia constitui um exemplo claro do estado de degradação que atingiu as nossas instituições democráticas, que se faz sentir principalmente na área da justiça. Efectivamente é absolutamente inaceitável que, quando o Vice-Procurador Geral da República atinge o seu limite de idade, não cesse imediatamente as suas funções e permaneça nas mesmas contra o que a lei determina. Ao mesmo tempo, a pedido do Procurador Geral da República, com o parecer favorável do Conselho Superior do Ministério Público, o Governo tenta alterar a lei vigente mas, verificando-se que não consegue maioria no Parlamento para o efeito, mantém-se o Vice-Procurador Geral da República em funções. Com isto, o Ministério Público, a quem compete nos termos do art. 219º, nº1, da Constituição defender a legalidade democrática, acaba por dar um exemplo inaceitável ao país, mantendo uma situação de ilegalidade no seu órgão máximo.
Durante a minha vida, assisti a imensas jubilações por limite de idade de professores universitários, magistrados e altos funcionários públicos. São sempre momentos de tristeza para os próprios e para as instituições que serviram, especialmente quando em muitos casos era patente que continuavam em condições de continuar a desempenhar o cargo com o brilhantismo que nele sempre tiveram. Todos sabiam, porém, que existia uma lei geral e abstracta que os impedia de continuar em funções e encararam esse processo como uma normal consequência da lei da vida, segundo a qual não há pessoas insubstituíveis e há sempre que dar lugar aos novos. É por isso incompreensível qualquer tentativa de alterar uma lei a pretexto de um caso particular, que dá um péssimo sinal a toda a sociedade. E é ainda mais incompreensível que, não sendo essa alteração à lei aprovada, a Procuradoria-Geral da República não aplique a lei vigente, como lhe compete.
O Ministro da Justiça foi muito rápido a criticar o discurso de Passos Coelho sobre a justiça. É estranho, no entanto, que não se lhe tenha ouvido uma palavra sobre esta situação.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

O país em chamas.

O livro de António Lobo Antunes, "Que farei quando tudo arde?", deveria ser leitura recomendada neste momento ao Presidente Cavaco Silva, a ver se o inspirava a abandonar de vez o mutismo em que se colocou perante a situação de descalabro que o país atravessa.
Os constantes incêndios que todos os dias surgem nos noticiários, infelizmente já com vítimas mortais a lamentar, são um símbolo da falta de cuidado que existe na preservação das nossas florestas, assim como da incapacidade da justiça em reprimir os comportamentos criminosos.
Mas infelizmente os fogos que estão a atingir as nossas instituições parecem ser ainda mais graves que os incêndios que continuamente destroem as nossas florestas.
Efectivamente, na área da justiça processos que deveriam ter decorrido de forma absolutamente exemplar, devido ao alarme que as suspeitas relatadas suscitaram na opinião pública, deixam afinal as maiores dúvidas sobre a forma como foram conduzidos, levando os responsáveis a fazerem comunicados públicos sobre os mesmos. Não contente com isso, o Procurador-Geral da República acha que deve dar entrevistas incendiárias sobre os seus próprios poderes e a guerra que tem travado com o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, ao mesmo tempo que anuncia mais um inquérito aos seus próprios serviços. O Sindicato, como seria de esperar, responde de forma contundente, proclamando que a hierarquia está moribunda. Com isto, será difícil que os cidadãos possam alguma vez confiar no sistema de Justiça, mas o Ministro da Justiça mantém a confiança no PGR e ainda propõe dar-lhe mais poderes. Provavelmente, quando isto acabar, do nosso sistema de justiça só restarão cinzas.
Também na área da economia, as coisas não parecem melhores. A inflação disparou, com a abrupta subida do IVA, e o risco da dívida pública portuguesa continua a aumentar. Por outro lado, com a multiplicação em progressão geométrica do número de insolvências e o constante aumento do desemprego prevê-se uma situação igualmente incendiária no plano social.
Tem-se justificado o silêncio do Presidente sobre este estado de coisas por razões calculistas, devido ao facto de estar à frente nas sondagens e não querer prejudicar a sua candidatura presidencial. É uma justificação inaceitável, uma vez que em caso algum o exercício do mandato presidencial deve ser condicionado pelos interesses de uma recandidatura. Cavaco Silva deveria perceber que ao deixar o país continuar a arder, sem nada fazer como Presidente, corre o risco de depois aparecer bastante chamuscado como candidato.

domingo, 8 de agosto de 2010

O Procurador-Geral da República e o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público

Já tinha aqui tido ocasião de salientar que a última coisa que o PGR deve fazer é entrar em polémica com os sindicatos dos profissionais sob a sua tutela. Infelizmente não é isso o que se tem verificado e nos últimos dias têm-se multiplicado os ataques do PGR ao SMMP, seguidos de respostas contundentes deste, numa autêntica troca de galhardetes, que em nada contribui para a confiança que os cidadãos devem ter na justiça. O próprio Ministro da Justiça já teve que vir a público, reconhecendo que se gerou uma crispação que importa resolver, mas reafirmando a sua "confiança institucional" no PGR, e esperando que ele lhe diga quais são os poderes que quer. Temos assim que o PGR em funções, depois de incompatibilizado com o SMMP, aparece a propor publicamente o reforço dos seus poderes, o que julgamos não ter paralelo em qualquer Estado de Direito.
Também me parecem graves os ataques que têm sido desencadeados contra o sindicalismo das magistraturas, a meu ver sem qualquer justificação. Os magistrados, embora sejam titulares de um órgão de soberania, têm um estatuto sócio-profissional de natureza laboral, pelo que é perfeitamente compreensível que criem sindicatos para defender esse estatuto. O peso político que os seus sindicatos eventualmente alcançam deriva exclusivamente da sua representatividade e não pode servir de pretexto para justificar o que corre mal num processo.
O que espanta é que nos processos com mais impacto na opinião pública não se consiga estabelecer uma sua resolução definitiva, sem criar polémicas. Com isto, os cidadãos vão perdendo a sua confiança na justiça, o que mina os fundamentos do Estado de Direito Democrático. Acho grave que o Presidente da República continue em silêncio sobre este assunto.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

As declarações do Procurador-Geral da República.

Acho absolutamente inaceitáveis estas declarações do Procurador-Geral da República, que só contribuem para acentuar ainda mais a crise de confiança na justiça que tem vindo a crescer na opinião pública.
Em primeiro lugar, não é verdade que o PGR só tenha os poderes da Rainha de Inglaterra, uma vez que, como se viu, teve poderes suficientes para tomar as decisões que tomou no processo Face Oculta, alterando as decisões do Procurador de Aveiro através de despachos que tornou tão ocultos como o nome do processo. Como já aqui uma vez salientei, desde a Revolução Francesa que nenhum monarca pode interferir num processo, seja em Inglaterra ou em qualquer outra monarquia democrática, enquanto que o PGR tem entre nós essa competência. A comparação com a Rainha de Inglaterra é, por isso, totalmente descabida.
Mas, mesmo que se desse razão ao PGR, é absolutamente inaceitável que num estado de Direito qualquer titular de um cargo público apareça a reclamar das competências que tem, as quais resultam directamente da lei. As pessoas, quando aceitam cargos públicos, sabem quais são as competências que possuem, e devem actuar no estrito quadro da mesmas. Se entendem que esse quadro não é adequado, não devem sequer aceitar o cargo. Discutir o enquadramento da competência do PGR e o papel que deve ter o Ministério Público é tarefa para os políticos e não para o PGR em funções, que tem o dever de permanecer alheio a essa discussão e muito menos deve entrar em polémica com os sindicatos dos profissionais sob a sua tutela.
Começo a ficar sinceramente preocupado com o estado do nosso Ministério Público. Não será a altura de o poder político se pronunciar sobre esta situação?

Washington DC, OAS



É no edifício da Organização dos Estados Americanos, muito perto da Casa Branca, que ocorre o encerramento do nosso Congresso. Um pormenor chama-me a atenção. À entrada do edifício encontra-se uma estátua à Rainha de Castela e Aragão, Isabel I, a Católica, considerada a primeira rainha do continente americano. Que estranho uma organização de estados independentes da América homenagear desta forma a mais antiga potência colonial do continente americano.

Washington DC, The memorials







Em Washington DC visito sempre os Memorials em honra dos mais célebres Presidentes americanos. Impressiona-me vivamente a majestade com que Lincoln é representado, mais parecendo um imperador que o presidente de uma república. Muito impressionante é também o Memorial de Roosevelt, recordando os únicos quatro mandatos obtidos por um Presidente Americano. Na capital dos Estados Unidos, a história da América é constantemente recordada.

New York, United Nations




O edifício das Nações Unidas simboliza o cosmopolitismo de New York, que bem pode justamente ser considerada a capital do mundo. É seguramente o sítio onde se fala mais línguas diferentes em toda a terra. Mas nem todos os visitantes são recebidos da mesma maneira…

New York, Ellis Island






O despertar dos viajantes do seu sonho americano começava com a chegada a Ellis Island onde todos os imigrantes eram depositados, à espera da decisão de os deixarem entrar na América ou do eventual repatriamento. É impressionante imaginar o sofrimento das pessoas amontoadas neste edifício, sujeitas a exames de toda a espécie, esperando por uma decisão que poderia representar a esperança ou a desilusão, depois de terem estado tão perto do seu objectivo. Mas a maioria acabava por entrar, gerando um novo ramo americano das suas famílias. É por isso que hoje muitos americanos vão a Ellis Island à procura do registo da data em que um seu antepassado entrou pela primeira vez na América.

New York, Liberty Island




É também imperdível em New York visitar a estátua da liberdade, que simboliza as aspirações de tantos imigrantes que procuravam a América. A estátua era a primeira coisa que viam do barco que os transportava, funcionando como o símbolo do sonho de uma vida melhor. Mas nem sempre esse sonho se concretizava.