sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Na morte de Inocêncio Galvão Telles.

Aprendi pela primeira vez Direito das Obrigações com base nas lições de Inocêncio Galvão Telles. Depois ele presidiu ao júri do meu concurso para assistente-estagiário da Faculdade de Direito de Lisboa, a primeira das muitas provas que tive que percorrer ao longo da minha carreira académica.
Muitos anos mais tarde, tive a honra de participar na coordenação desta obra em sua homenagem, tendo sido autor da nota biográfica sobre o homenageado. Quero por isso, neste momento, lamentar o falecimento desta figura ímpar da comunidade jurídica portuguesa, e reiterar com saudade a minha homenagem a quem, pelo brilho de todas as suas realizações, marca para sempre a História da Faculdade de Direito de Lisboa.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

A entrevista do Primeiro-Ministro.

A entrevista do Primeiro-Ministro mostrou, antes de tudo, um Miguel Sousa Tavares em grande forma. Confesso que já tinha saudades de o ver como entrevistador, papel que desempenha muito melhor do que o de comentador. A entrevista correu-lhe muito bem, tendo usado um estilo acutilante e fazendo todas as perguntas que tinham que ser feitas. Que diferença em comparação com anteriores entrevistas a que Sócrates se submeteu!
Já em relação a Sócrates, pese embora a combatividade que o tem caracterizado, a entrevista demonstrou claramente o desgaste que o Primeiro-Ministro actualmente atravessa. Efectivamente ele, ou não deu respostas claras, ou repetiu um discurso gasto, pretendendo usar as mesmas velhas receitas que nos levaram ao estado em que estamos.
Na parte das escutas, o Primeiro-Ministro enredou-se numa série de contradições. Primeiro, não comentava as escutas porque "era um crime", mas a seguir já comentava o despacho do PGR e a referência às escutas dele constante. Em relação ao caso Luís Figo, foi incapaz de explicar minimamente as estranhas coincidências que o entrevistador lhe apontava. E finalmente acabou essa parte da entrevista a defender os seus amigos, ao mesmo tempo que dizia que qualquer actuação deles teria sido feita à sua revelia. O que se esperaria que dissesse é que, enquanto governante, não tinha amigos, pelo que não deixaria de exigir as competentes responsabilidades, fosse a quem fosse, caso se provasse alguma irregularidade.
Já na parte económica, as respostas foram as mesmas de sempre, insistindo em chavões como o investimento público, a aposta em energias renováveis, e o facto de a crise ser mundial, não tendo sequer sido capaz de responder à pergunta elementar sobre se iria combater o défice congelando salários ou aumentando impostos. A sensação que dava nas suas respostas era a de que continuava na campanha eleitoral, repetindo o mesmo discurso que então usou, em lugar de responder com eficácia ao novo quadro económico entretanto revelado.
Estou convencido de que em qualquer outro país da Europa, Sócrates teria perdido quaisquer condições para se manter no cargo, sendo derrubado pela oposição ou pelo seu próprio partido. Em Portugal temos, no entanto, uma situação irónica. Quer a Assembleia da República, quer o Presidente da República têm poderes para fazer cair o Governo, mas por calculismo político nem a oposição nem o Presidente tomarão qualquer medida nesse sentido, com receio das consequências eleitorais. No PS já se percebeu que ninguém avançará contra Sócrates, nem se vê que haja sequer qualquer oposição interna organizada, ao contrário do que seria salutar. Assim, sem alternativa a este Governo, o País avança numa ladeira escorregadia para o abismo, estando todos os dias as instituições a descredibilizar-se perante a opinião pública. Até quando?

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

O atentado contra o Estado de Direito.

Os últimos tempos têm sido férteis em debates jurídicos em torno do conceito de atentado contra o Estado de Direito, constante do art. 9º da Lei 34/87, de 16 de Julho, os quais permitirão criar doutrina para o futuro. Futuramente, os Professores e Comentadores de Direito Penal poderão expor nas suas lições e comentários os desenvolvimentos interpretativos que resultaram destes debates, a benefício dos futuros profissionais do Direito. Ficou-se, por exemplo, a saber que em Portugal não existe qualquer crime se um órgão de soberania resolver intervir numa série de órgãos de comunicação social independentes em ordem a silenciá-los ou fazê-los alinhar com as suas posições. Também ficámos a saber que o art. 9º da Lei 34/87 é uma "norma adormecida", proveniente de um estranho Direito Penal Político, sem nenhuma relevância social, que nenhum magistrado, ainda mais se for "agente local", pode sequer pensar em acordar do seu sono profundo. E ainda aprendemos que o próprio conceito de crimes da responsabilidade de titulares de cargos políticos representa uma perigosa politização da justiça ou judicialização da política, consoante a perspectiva que se queira dar. Corre-se, porém, o risco de alguém achar que o que está efectivamente adormecido é o próprio Estado de Direito.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Liberdade de imprensa II

Depois destas declarações de José Manuel Fernandes, fico sinceramente preocupado com o enquadramento em que os jornalistas exercem hoje em dia a sua profissão. Para o bem e para o mal, a imagem do Parlamento perante a opinião pública vai ficar dependente da forma como resolver este caso. Se o Parlamento não for capaz de chegar a qualquer conclusão e se deixar enredar em múltiplas questões, em vez de fiscalizar a actuação do Governo, como é seu dever constitucional, a desconfiança do País nas suas instituições agravar-se-á. Espera-se que os deputados estejam à altura das suas responsabilidades.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

A crise do regime.

Gostei de ler o Sol esta manhã. Mas, face às revelações que dele constam, estou na dúvida se continuarei a poder lê-lo nas próximas semanas, ou se não haverá tentativas de solução do problema.
Disse já que não me parecem correctas as decisões judiciárias sobre este caso. Não se compreende como é que uma certidão para abertura de um inquérito criminal autónomo dá origem a um processo administrativo e que aí seja tomada uma decisão de não instauração do processo criminal, cuja fundamentação não é publicada. Nesse enquadramento, também não se compreende em que processo ocorre a decisão do Presidente do Supremo sobre as escutas que neste caso funciona como juiz de instrução. Mas acho que grande parte dos problemas que foram criados neste processo resultam da Reforma Penal de 2007, que criou toda esta confusão legislativa, ao instituir privilégios injustificados no processo penal para as altas figuras do Estado.
A questão neste momento, a meu ver, já extravasou do âmbito jurídico para se tornar numa verdadeira crise do regime.
Efectivamente, as revelações do Sol provocam aos cidadãos a maior desconfiança sobre o regular funcionamento dos órgãos de comunicação social e as interferências do poder político nos seus critérios editoriais. Ora, a última coisa de que este país precisa é de órgãos de comunicação social domados, onde só se publique o que interessa ao poder. E a situação atinge uma gravidade extrema quando tudo isto decorreu em período eleitoral.
O único paralelo que me recordo com isto foi o caso República em pleno gonçalvismo. Na altura, a República era o único jornal que não aparecia alinhado com o chamado PREC e por isso foi silenciado, tendo surgido depois já totalmente alinhado com o Governo. Por causa desse episódio, o PS abandonou então o Governo e iniciou a luta contra Vasco Gonçalves.
Ora, a ser verdade a existência de um plano do Primeiro-Ministro para controlar a comunicação social, é manifesto que o mesmo perdeu quaisquer condições para se manter no cargo. O PS deveria ser o primeiro partido a reconhecê-lo e procurar uma solução para o substituir. Ao que julgo, o PS ainda é o Partido Socialista e não apenas o Partido Sócrates.
Há quem critique este óbvio entendimento, invocando as dificuldades económicas do país e a atenção das agências de rating. Mas o primeiro pressuposto para resolver as crises económicas é a existência de um Governo forte e credível que tenha a legitimidade política necessária para exigir aos portugueses os sacrifícios que se impõem. Manter em funções um Governo descredibilizado, sujeito à revelação constante de factos comprometedores — que não fazem parte da esfera privada, ao contrário do que se tem dito — atenta contra o prestígio das instituições e põe em causa o interesse nacional. O Presidente da República não pode continuar em silêncio por mais tempo.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Liberdade de imprensa

Depois de tantos casos recentes de tentativas de silenciamento de jornalistas incómodos, muitas vezes com sucesso, esta notícia em nada me espanta. Só me apetece citar as palavras de antologia de Vital Moreira: "Há-de ficar como cúmulo do anedotário político a acusação de que a liberdade de imprensa está em perigo entre nós".

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

As prioridades da política criminal.

A corrupção mina toda a sociedade, surgindo sinais evidentes de promiscuidade entre o sector público e interesses económicos. A segurança dos cidadãos deixou de estar assegurada, aumentando os crimes violentos contra pessoas que ficam impunes. No Algarve, uma zona essencial para o nosso turismo, multiplicam-se os ataques de gangs organizados a residências de estrangeiros, levando a que muitos deles já tenham abandonado o país. Mas o que é preocupa nesta fase uma comissão parlamentar de combate à corrupção e o próprio PGR? O gravíssimo crime da violação do segredo de justiça.
Claro que a ninguém interessa referir que hoje o segredo de justiça é absolutamente excepcional, sendo até o secretismo do processo penal causa de nulidade do mesmo (art. 86º, nº1, CPP). Face à lei, a comunicação social tem todo o direito de proceder à narração dos actos processuais não cobertos pelo segredo de justiça (art. 88º, nº1, CPP). Toda a gente esquece ainda que, mesmo havendo segredo de justiça, a lei oferece às autoridades judiciárias a possibilidade de prestar esclarecimentos quando tal se torne necessário para repor a tranquilidade pública (art. 86º, nº13, CPP).
Com base em tudo isto, o que se diz afinal? Que a actual lei não é má, é péssima, porque não garante o respeito pelo segredo de justiça. Na verdade, o que interessa é termos processos secretos, ou que se tomem decisões fora de um processo, cuja fundamentação nem sequer é publicada.
Também não interessa nada termos tido eleições num cenário de ficção, em que aos eleitores foram sonegadas informações essenciais não apenas na área económica, mas também na área da justiça. E depois disto, há quem se escandalize muito por se apregoar no estrangeiro que já não vivemos num Estado de Direito. Acho que vivemos de facto num país virtual.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

As escutas do caso Face Oculta.

A publicação no Sol dos despachos proferidos no caso Face Oculta e das respectivas escutas levanta várias questões que numa sociedade democrática têm que ser respondidas. A ser verdade o que aparece aqui relatado, só há uma conclusão a retirar: a ilegitimidade das eleições que decorreram no ano passado, em virtude das restrições colocadas à liberdade de imprensa. Não foi outra a conclusão que o povo americano tirou do caso Watergate, salientando-se que Nixon tinha sido reeleito com uma maioria esmagadora no ano anterior. Neste momento, acho que o Governo perdeu todas as condições que tinha para governar. Se o Governo não se demitir, deve naturalmente o Presidente da República fazê-lo ao abrigo do art. 195º, nº2, da Constituição. Afinal de contas, não estaremos perante um caso óbvio em que a demissão do Governo é necessária para assegurar o regular funcionamento das instituições democráticas?
Mas há outra questão que importa esclarecer: é por que razão não foi dado seguimento a uma denúncia feita por um inspector da polícia, um procurador do Ministério Público, e aceite por um juiz de instrução? É que, pelo que pude perceber, em nenhuma das escutas que o Sol publicou hoje intervém alguma das entidades referidas no art. 11º do CPP. Se são estas as escutas que o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça declarou nulas, cabe perguntar com que base legal o fez. Pelo contrário, se estas escutas não foram declaradas nulas, cabe perguntar por que é o processo não teve seguimento.
A situação que o País atravessa é séria demais para que não lhe sejam prestados os esclarecimentos que se impõem.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

A irresponsabilidade colectiva.

Conforme se tem visto, esta irresponsabilidade colectiva transformou o dia de hoje numa quinta-feira negra para a bolsa. Neste aspecto, a culpa é em parte da oposição, dado que ninguém compreende que se privilegie a Madeira nestes tempos gravíssimos para todo o país. Mas a irresponsabilidade do Governo em ameaçar com uma crise política por causa disto demonstra perfeitamente a falta de sentido de Estado que o caracteriza. E não se venha deitar as culpas desta derrocada ao comissário Joaquin Almunia. Não foi o Joaquin Almunia que elaborou um orçamento de Estado em que ninguém acredita, e também não foi ele que andou a ameaçar com uma crise política em Portugal.
Neste processo, o único que me parece ter estado à altura das suas responsabilidades foi o Presidente Cavaco Silva, que chegou a convocar um Conselho de Estado para tentar fazer com que os líderes desavindos se entendessem, ao que parece sem resultados visíveis. Espero bem que seja reeleito, pois nem quero pensar o que seria Manuel Alegre a gerir esta situação. Pelo contrário, já não espero nada deste Governo, nem sequer desta Assembleia da República. Bem podem dizer que já chegaram à Madeira…

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

A divulgação dos rendimentos dos contribuintes.

Se há algo que demonstra o colapso político em que o PS se encontra, é esta proposta de divulgação dos rendimentos brutos dos contribuintes, apresentada e retirada no mesmo dia, depois de ter sido justamente apelidada por Bagão Félix de voyeurismo. Efectivamente, não passaria pela cabeça de ninguém com o mínimo de bom senso divulgar na praça pública os rendimentos dos contribuintes, na maior parte dos casos cumpridores, em ordem a satisfazer a curiosidade alheia de estranhos sem qualquer interesse legítimo na matéria. Mas já não espanta o desplante das propostas do PS quando está em causa lesar os direitos dos cidadãos, cujo respeito deveria estar inscrito no código genético de quaqluer partido democrático. Para este PS, só os políticos têm direito a uma privacidade tão ciosamente guardada que não têm que dar explicações sobre coisa nenhuma, mesmo que estejam em causa actos praticados na gestão de negócios públicos. Já os outros cidadãos, no âmbito da sua esfera privada, podem livremente ver a sua situação financeira exposta à devassa de terceiros. Começo a recear que a democracia esteja seriamente em causa.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

O caso Mário Crespo.

Desejo sinceramente que isto não seja verdade. Efectivamente, custa-me a crer que no dia da discussão do Orçamento do Estado, membros do Governo dedicassem um almoço a procurar "resolver problemas" com jornalistas, o que demonstraria uma inversão de prioridades espantosa. Mas, em qualquer caso, começa a parecer-me sério demais que jornalistas ou comentadores que não se mostram simpáticos para o Governo sejam silenciados nos órgãos de comunicação social em que colaboram. A ERC, com a sua obsessão de cronometrar o espaço ocupado pelas diversas correntes políticas, nada tem a dizer sobre este assunto? Salvo erro, foi Mário Soares quem disse que a liberdade de imprensa é o sal da democracia.

Os cem dias do Governo.

Entretanto, o jornal i pediu-me que contribuísse para o seu artigo sobre os cem dias do Governo escolhendo uma única palavra que sintetizasse a minha avaliação desses cem dias. É um exercício difícil resumir cem dias numa única palavra, mas acabei por escolher "descredibilização", o que a meu ver reflecte o actual sentimento sobre o Governo. Na verdade, o anterior Governo tomou posse com um proclamado défice de 6,83%, tendo-se proposto realizar o saneamento das contas públicas com um Ministro das Finanças que transmitia segurança aos portugueses. As coisas podiam ir mal noutras áreas, como na justiça e na comunicação social, mas tinha-se a sensação de que as finanças do país estavam sob controlo. Agora, cem dias depois da tomada de posse, o Governo apresenta um défice de 9,3% e as agências de rating sinalizam que não acreditam no orçamento português. Por outro lado, as anteriores políticas nas mais diversas áreas como a justiça, a educação, ou a economia são completamente revertidas, desperdiçando-se todo o trabalho dos anteriores titulares. Tem-se assim a sensação de um Governo à deriva, que só não se afunda porque a oposição prefere mantê-lo à tona de água.

Viagem a Atenas.







Passei o fim-de-semana em Atenas, onde aproveitei para me inteirar da situação da Grécia e das eventuais comparações com Portugal. A Acrópole é um verdadeiro encontro com a eternidade, a lembrar-nos quais são as verdadeiras raízes da nossa civilização. Mas, se a Grécia não recebe lições de democracia de ninguém, as medidas propostas para resolver a crise apresentam-se absolutamente draconianas, incluindo colossais aumentos de impostos. Enquanto lá estive, assisti a manifestações diárias em frente ao Parlamento.
Na Grécia, no entanto, houve uma mudança de Governo, por o anterior Governo conservador ter abandonado funções perante o avolumar da crise, o que legitimou essas medidas. Em Portugal, temos praticamente o mesmo Governo, que agora propõe medidas de combate a uma crise que ele próprio deixou avolumar. Mas o mais grave foi não ter havido qualquer informação aos portugueses antes das eleições, levando a que estas tenham ocorrido num cenário de ficção. A falta de capacidade de indignação é talvez o maior defeito nacional.