A entrevista do Primeiro-Ministro mostrou, antes de tudo, um Miguel Sousa Tavares em grande forma. Confesso que já tinha saudades de o ver como entrevistador, papel que desempenha muito melhor do que o de comentador. A entrevista correu-lhe muito bem, tendo usado um estilo acutilante e fazendo todas as perguntas que tinham que ser feitas. Que diferença em comparação com anteriores entrevistas a que Sócrates se submeteu!
Já em relação a Sócrates, pese embora a combatividade que o tem caracterizado, a entrevista demonstrou claramente o desgaste que o Primeiro-Ministro actualmente atravessa. Efectivamente ele, ou não deu respostas claras, ou repetiu um discurso gasto, pretendendo usar as mesmas velhas receitas que nos levaram ao estado em que estamos.
Na parte das escutas, o Primeiro-Ministro enredou-se numa série de contradições. Primeiro, não comentava as escutas porque "era um crime", mas a seguir já comentava o despacho do PGR e a referência às escutas dele constante. Em relação ao caso Luís Figo, foi incapaz de explicar minimamente as estranhas coincidências que o entrevistador lhe apontava. E finalmente acabou essa parte da entrevista a defender os seus amigos, ao mesmo tempo que dizia que qualquer actuação deles teria sido feita à sua revelia. O que se esperaria que dissesse é que, enquanto governante, não tinha amigos, pelo que não deixaria de exigir as competentes responsabilidades, fosse a quem fosse, caso se provasse alguma irregularidade.
Já na parte económica, as respostas foram as mesmas de sempre, insistindo em chavões como o investimento público, a aposta em energias renováveis, e o facto de a crise ser mundial, não tendo sequer sido capaz de responder à pergunta elementar sobre se iria combater o défice congelando salários ou aumentando impostos. A sensação que dava nas suas respostas era a de que continuava na campanha eleitoral, repetindo o mesmo discurso que então usou, em lugar de responder com eficácia ao novo quadro económico entretanto revelado.
Estou convencido de que em qualquer outro país da Europa, Sócrates teria perdido quaisquer condições para se manter no cargo, sendo derrubado pela oposição ou pelo seu próprio partido. Em Portugal temos, no entanto, uma situação irónica. Quer a Assembleia da República, quer o Presidente da República têm poderes para fazer cair o Governo, mas por calculismo político nem a oposição nem o Presidente tomarão qualquer medida nesse sentido, com receio das consequências eleitorais. No PS já se percebeu que ninguém avançará contra Sócrates, nem se vê que haja sequer qualquer oposição interna organizada, ao contrário do que seria salutar. Assim, sem alternativa a este Governo, o País avança numa ladeira escorregadia para o abismo, estando todos os dias as instituições a descredibilizar-se perante a opinião pública. Até quando?