Depois da escandalosa ilegalidade que constituiria a reposição dos subsídios ser efectuada apenas a alguns dos trabalhadores ter sido denunciada publicamente por vários juristas, inclusivamente por mim próprio aqui, vem agora o Governo dizer que em virtude de "uma análise mais atenta à legislação", resolveu devolver os cortes nos subsídios já pagos. Pelos vistos, o Ministro Poiares Maduro, que ontem fez estas declarações absolutamente inacreditáveis num jurista, não anda a ler a legislação com a atenção suficiente. Mas, como o Governo não dá ponto sem nó, mais uma vez quer excluir alguns trabalhadores da reposição dos cortes, agora os trabalhadores das empresas públicas, com o argumento de que estão sujeitos à legislação laboral comum e às convenções colectivas. É o que se chama ser preso por ter cão e por não ter cão. O facto de estes trabalhadores estarem sujeitos ao regime laboral comum e às convenções colectivas não os impediu de serem sujeitos aos cortes salariais dos funcionários públicos, mas afinal impede-os de receber a reposição dos referidos cortes, quando a mesma é decretada para os funcionários públicos. Se os disparates jurídicos deste governo pagassem imposto, Portugal há muito que tinha o seu problema do défice resolvido.
quinta-feira, 19 de junho de 2014
Aclarações.
Na reforma do Código de Processo Civil de 2013, o Governo eliminou o incidente de aclaração, precisamente porque ter considerado que se tratava de uma forma de prolongamento artificial da lide, já que na esmagadora maiora dos casos as obscuridades e ambiguidades da decisão reclamada seriam ficcionadas e inexistentes. Apesar disso o Governo resolveu pedir à Assembleia da República que suscitasse um incidente de aclaração, invocando normas do CPC que já nada tinham a ver com esse instituto. A Assembleia da República, que tinha percebido tão bem o acórdão que repôs imediatamente os cortes aos seus deputados e funcionários, deu razão ao Governo e lá formulou o pedido de aclaração. Para isso, ao contrário do Governo, meteu na gaveta o CPC que aprovou, invocando antes como fundamento do pedido de aclaração, imagine-se "os princípios que regem o processo de constitucionalidade, maxime o processo de fiscalização abstrata sucessiva".
O Tribunal Constitucional, que gosta muito de decidir com base em princípios e muito pouco com base em normas, deu-lhe razão e considerou admissível esse pedido, face "aos princípios gerais do processo aplicáveis a decisões insuscetíveis de recurso, tornando-se irrelevante, face aos interesses subjacentes à intervenção do Tribunal nessa forma de processo, que o novo Código de Processo Civil tenha deixado de contemplar o pedido de aclaração que constava do antigo artigo 669.º, n.º 1". No fundo, estamos perante uma forma de decidir semelhante às muitas com que o Tribunal Constitucional sucessivamente nos tem brindado. Não interessa nada que a Constituição proíba expressamente determinadas medidas legislativas, que estas podem sempre ser admitidas com base em princípios gerais. A continuarmos nesta senda, a Constituição não passará em breve de um texto vazio, sobrando apenas as sucessivas decisões jurisprudenciais, às vezes contraditórias, do Tribunal Constitucional.
Tudo isto para admitir um pedido de aclaração que afinal acaba por desatender, por considerar que o seu acórdão afinal é clarinho, clarinho, e que não cabe "ao Tribunal Constitucional esclarecer outros órgãos de soberania sobre os termos em que estes devem exercer as suas competências no plano administrativo ou legislativo". O Governo, no entanto, considerou-se altamente esclarecido, e o Ministro Poiares Maduro declarou que, em consequência do esclarecimento da decisão do Tribunal Constitucional, deixará por pagar os cortes aos trabalhadores que já tivessem recebido os subsídios. Tal é profundamente inconstitucional, por violação do princípio a trabalho igual salário igual, previsto no art. 59º, nº1, a) da Constituição, mas parece que para o Governo a constituição já não vigora, havendo apenas que atender aos acórdãos e aclarações do Tribunal Constitucional.
O Tribunal Constitucional é que ficou furioso com o entendimento que o Governo está a fazer da sua aclaração. Comunicou por isso que "em face de afirmações públicas quanto às implicações da decisão do Tribunal Constitucional sobre o pedido de aclaração do Acórdão n.º 413/2014, o Tribunal lembra que tal pedido foi indeferido, pelo que desta decisão não pode ser retirada qualquer outra ilação." É evidente que ninguém pode ficar esclarecido com aquilo que o Tribunal Constitucional não quis esclarecer.
A verdade é que o Tribunal Constitucional é em grande parte responsável por esta situação. Tivesse o Tribunal Constitucional desde o início tido uma jurisprudência firme no sentido óbvio de que a constituição não permite o corte de salários e pensões e nunca esta situação teria sido criada. E depois, quando finalmente interditou esses cortes, bastava-lhe não ter limitado os efeitos da sua decisão para que nunca esta discriminação ocorresse. Tal não desculpa o escandaloso comportamento do Governo na discriminação aos funcionários públicos que manifestamente odeia. Mas em virtude desse ódio manifesto, cabia ao Tribunal Constitucional proteger desde o início essa categoria de cidadãos, o que só recentemente começou a acontecer. Infelizmente, muito tarde.
terça-feira, 10 de junho de 2014
Sanções jurídicas.
Leio aqui que a Vice-Presidente do PSD, Teresa Leal Coelho, propõe "sanções jurídicas" aos juízes do Tribunal Constitucional em virtude dos últimos acórdãos que têm proferido. Esta situação só me faz lembrar um episódio da história jurídica portuguesa. Afonso Costa, depois de ter derrubado a monarquia, decidiu processar os seus últimos governantes por terem violado a constituição monárquica. Confrontados com tão insólita acusação por parte de quem tinha derrubado o regime monárquico pela força, os juízes da Relação de Lisboa absolveram os governantes monárquicos. A resposta de Afonso Costa não se fez esperar: Os juízes da Relação de Lisboa que tinham proferido esse acórdão foram imediatamente transferidos para a Relação de Goa. Aqui está um bom exemplo de sanções jurídicas aos juízes, no caso de acórdãos que o Governo não aprecia. A propósito, alguém se lembrou de lhe explicar em que consiste a independência dos tribunais e a separação de poderes?
quarta-feira, 4 de junho de 2014
terça-feira, 3 de junho de 2014
O pedido de aclaração do Governo.
O Governo deveria saber que os pedidos de aclaração, como este que apresentou, foram abolidos pelo novo Código de Processo Civil, cujas regras se aplicam ao processo constitucional. A Ministra da Justiça, que determinou a aprovação desse novo Código e elogiou a abolição dessa faculdade, concorda igualmente com esse pedido?
Por outro lado, não me parece que haja memória de o Primeiro-Ministro pedir à Presidente da Assembleia da República que exerça competências que só à Assembleia competem. Se isto não é uma instrumentalização do Parlamento, não sei o que seja. Afinal o art. 111º da Constituição já é também letra morta?
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