quarta-feira, 27 de junho de 2012

Regresso a Timor-Leste.


Mais uma viagem, desta vez para Timor-Leste, para leccionar mais um curso de mestrado. Estive lá pela última vez há doze anos, logo após a saída da Indonésia, para fazer uma formação aos primeiros magistrados do futuro país. Timor-Leste na altura estava num estado terrível, com inúmeros edifícios destruídos, e em enormes dificuldades económicas. Mas a beleza da terra é deslumbrante: Dili fascina, com a Praia da Areia Branca, onde podem surgir crocodilos de água salgada, e a estátua do Cristo-Rei, de onde se tem uma vista deslumbrante. Nos diversos caminhos da ilha, tendo que atravessar constantemente altas montanhas para chegar a terras como Baucau, Liquiçá e Ermera, vêem-se lindas árvores exóticas, como a madre-cacau.

Nestes doze anos, apesar das dificuldades, Timor-Leste progrediu bastante e foi Portugal que regrediu consideravelmente. Vai ser por isso interessante voltar a rever aquela linda ilha, passados tantos anos.

terça-feira, 26 de junho de 2012

Pela extinção do Tribunal Constitucional (2)

Já tinha aqui escrito que, perante o descrédito total em que caiu o Tribunal Constitucional, os seus defensores tinham encetado uma campanha na opinião pública destinada a tentar salvar esse tribunal.  Depois de um debate monolítico na Faculdade de Direito, vem agora Paulo Rangel em artigo no público intitulado Em defesa do Tribunal Constitucional, qualificar a ideia da sua extinção como a "mais inoportuna, mais ligeira e mais indesejável". Que a classe política tenha estes qualificativos em defesa de um tribunal político enxertado no poder judicial, não me espanta absolutamente nada. Na verdade, este tribunal interessa muito aos políticos, mas não interessa minimamente à defesa dos direitos dos cidadãos.

Paulo Rangel recorda que se "que se aguardam nos próximos meses decisões sensíveis e difíceis daquele Tribunal. Como confiar nelas se se advoga (…) a respectiva extinção?" O argumento está invertido. A razão porque se defende a sua extinção é precisamente porque não se confia na capacidade de o Tribunal Constitucional tomar essas decisões sensíveis e difíceis de forma independente do que são os desejos do poder político. As anteriores decisões sensíveis e difíceis foram afinal tomadas de uma forma fácil, na perspectiva de que os órgãos de soberania têm as mãos completamente livres em período de crise financeira. Mas para defender isso, não é preciso nenhum Tribunal Constitucional.

Aliás Paulo Rangel acaba por confessar que o Tribunal Constitucional não tem aplicado a Constituição, quando diz que "interpretar a Constituição é também, num certo sentido fazer a Constituição; é ainda, mesmo que só epidermicamente, participar do poder constituinte". Ou seja, o texto que os constituintes nos deixaram, e para o qual foram eleitos pelo povo, pode a todo o tempo ser reescrito através de uma interpretação completamente livre do Tribunal Constitucional. Mas isso significa esvaziar a Constituição, que é aliás o que a jurisprudência vaga e complacente do Tribunal Constitucional tem vindo precisamente a fazer.

Paulo Rangel acha no fim que o Tribunal Constitucional tem mais legitimidade democrática do que o poder judicial porque é eleito pelo Parlamento. Está enganado. A legitimidade democrática do poder judicial resulta do facto de aplicarem a lei que é votada pelos representantes do povo e de o fazerem com independência no seu julgamento. Não resulta de uma escolha política, precisamente com a preocupação de como irão ser decididos os futuros casos "sensíveis e difíceis", e muito menos da proximidade aos partidos.

Em relação a essa proximidade, relembro só dois casos: houve um juiz do Tribunal Constitucional que no dia seguinte a ter renunciado era cabeça-de-lista de um partido numas eleições ao Parlamento Europeu. Houve outro juiz do Tribunal Constitucional que só lá esteve um mês, indo logo a seguir para Ministro. Deve ser assim, como afirma Paulo Rangel, que a existência do Tribunal Constitucional se torna "um factor de reforço da legitimação de todo o poder judicial". 

domingo, 24 de junho de 2012

O controlo dos advogados pelo Ministério Público

Leio aqui que o Governo quer pôr o Ministério Público a exercer a acção disciplinar sobre os advogados. Nem no tempo do Estado Novo alguém se lembraria de medida semelhante, e gostava que me indicassem algum país democrático que adopte essa solução. Naturalmente que o Ministério Público pode e deve exercer a acção penal contra qualquer advogado que pratique crimes no exercício da sua profissão. Agora a acção disciplinar tem que estar reservada à Ordem dos Advogados, sob pena de estar a ser posta em causa a independência dos advogados. Há limites para os ataques do poder político aos advogados.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

A Constituição suspensa.

Partilho com Monteiro Fernandes a estranheza pelo facto de o Presidente da República não ter suscitado a fiscalização preventiva do Código do Trabalho. Que me lembre é talvez a primeira vez que uma reforma laboral não é objecto de fiscalização preventiva. No entanto, face às posições assumidas pelo Tribunal Constitucional desde a crise financeira, também não tinha quaisquer expectativas de uma decisão deste no sentido da inconstitucionalidade. O país tem neste momento a sua Constituição suspensa. Até ao fim do programa de ajustamento (esperamos que seja ainda durante as nossas vidas) a mesma foi substituída pelo Memorando da troika

sábado, 16 de junho de 2012

O próximo Procurador-Geral da República

Leio aqui que a Ministra da Justiça acha que o próximo Procurador-Geral da República não tem que ser um procurador, mas deve ser alguém "que ame o Ministério Público". O critério de nomeação do próximo PGR está assim esclarecido. Não interessam as suas qualificações, o seu currículo, ou até o que se propõe fazer no cargo. A única coisa que interessa é que fosse "alguém que amasse o Ministério Público em tudo o que isso significa". Resta-nos esperar que ao menos o amor do escolhido ao Ministério Público seja correspondido por este. Se não, prevejo o desastre. Mas confesso que preferia menos lirismo e mais sentido de Estado como critério de escolha.

E vai mais um mapa judiciário.

Pelo que aqui se noticia, a Ministra da Justiça, continuando na tradição dos seus antecessores, insiste em mais uma disparatada proposta de mapa judiciário, arrasando de uma só vez 54 tribunais.Como é que possível que qualquer Ministro da Justiça ache que se justifica deixar os cidadãos do interior a cerca de 100 km de um tribunal? Portugal vai a caminho de ter um parque judiciário digno de um país do terceiro mundo. E o que me preocupa é que a Ministra deve achar que está a fazer um excelente trabalho.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Pela extinção do Tribunal Constitucional.

As confusões criadas pelo processo de escolha dos juízes para o Tribunal Constitucional tornaram absolutamente evidente que o mesmo deveria ser extinto e a fiscalização da constitucionalidade passar para o Supremo Tribunal de Justiça. O mesmo deveria acontecer também com o Supremo Tribunal Administrativo. Neste quadro de redução das despesas do Estado não há qualquer razão para a existência de três Supremos Tribunais em Portugal. Um chega perfeitamente, devendo ser naturalmente o Supremo Tribunal de Justiça.

Os defensores do Tribunal Constitucional encetaram, porém, uma campanha destinada a salvar esse tribunal, absolutamente desnecessário e até pernicioso a uma efectiva defesa da Constituição. No quadro dessa campanha, nada melhor que organizar um debate como este em que só participam os defensores do Tribunal Constitucional. Está demonstrado o entendimento que os organizadores têm do pluralismo de opiniões e do confronto de posições. Mas, na verdade, apenas com debates organizados desta forma é possível defender a existência do Tribunal Constitucional.

terça-feira, 5 de junho de 2012

Mais uma condenação de Portugal no TEDH.

Este acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem a propósito do caso Esmeralda deveria servir de lição para nunca mais se criarem movimentos de opinião pública contra o cumprimento das decisões judiciais. O resultado foi que se privou um pai do convívio com a sua filha durante quatro anos e meio, período extremamente importante nas suas vidas, inventando-se para tal conceitos absurdos como o de "paternidade afectiva". Tudo isto naturalmente em desrespeito flagrante do art. 36º, nº6, da Constituição, que diz expressamente que "os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial". É por isso mais que merecida a condenação do Estado Português no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. Só tenho uma crítica à decisão: é que me parece a indemnização demasiado baixa, em face dos gravíssimos danos morais causados a essa família.

domingo, 3 de junho de 2012

O processo de escolha dos juízes para o Tribunal Constitucional.

Segundo lê aqui, parece que os partidos da maioria se permitem rejeitar candidatos ao Tribunal Constitucional por se terem pronunciado contra os cortes de salários. Atingimos assim o grau zero da nossa justiça constitucional. Os partidos escolhem juízes para um Tribunal que tem presentemente um processo para decidir e o seu critério de escolha baseia-se em procurar saber antecipadamente a forma como esse mesmo processo será decidido. Alguém já ouviu falar na independência dos tribunais? E o princípio do juiz natural não será posto em causa por esta via? Parece óbvio o falhanço total do nosso sistema de fiscalização da constitucionalidade.