O Procurador Geral da República tem o hábito de utilizar o Verão para tomar insólitas decisões. O ano passado brindou-nos com a novidade processual de proferir despachos ocultos sobre as escutas do processo Face Oculta, alegadamente fora do âmbito de qualquer processo. Este ano manda abrir um inquérito sobre a forma como decorreu o processo Freeport para averiguar "as razões por que não foi suscitada, na altura própria a necessidade de prorrogar o prazo concedido para encerrar o inquérito, designadamente para serem feitas as perguntas que no despacho de encerramento ficaram expressamente indicadas".
Confesso que tenho dificuldade em compreender que um inquérito com a dimensão política do processo Freeport possa ser encerrado sem que o Procurador Geral da República tenha conhecimento prévio do despacho de encerramento. Paradoxalmente, no entanto, o Procurador Geral mostrou-se surpreendido com o teor desse despacho, criticando o facto de nele terem sido incluídas referências a diligências que ficaram por fazer, dizendo até que não tinha memória de alguma vez ter visto um despacho assim.
Soube-se depois que o processo foi encerrado porque o Vice-Procurador Geral estabeleceu abruptamente um prazo para a sua conclusão, o que levou a que os Procuradores o tivessem que encerrar, acordando com a hierarquia a inclusão daquelas menções no despacho de arquivamento.
Ora, quando numa magistratura hierarquizada um superior hierárquico estabelece um prazo para terminar um inquérito, não me parece que os seus subordinados possam ser questionados sobre a razão por que não pediram a prorrogação desse prazo. Antes é a hierarquia que tem que responder sobre a razão por que deu essa ordem, inviabilizando a realização das diligências programadas. Mas infelizmente temos vindo a assistir a uma extraordinária opacidade em relação às decisões tomadas ao mais alto nível na Procuradoria-Geral da República, o que é incompatível com a transparência que deve caracterizar as instituições democráticas, principalmente no sistema de justiça.
Perante as legítimas preocupações dos cidadãos sobre esta forma de gestão do Ministério Público, em lugar de assumir as suas responsabilidades, o Procurador Geral da República primeiro ataca o sindicato e depois abre inquérito sobre a forma de condução de um processo que esteve sempre sob controle directo da hierarquia, onde questiona os seus subordinados sobre as razões por que não questionaram uma decisão do seu Vice-Procurador, o qual aliás permanece em funções depois de ter atingido o limite de idade.
O Procurador Geral da República pode comparar-se à Rainha de Inglaterra, mas não deixa de causar a impressão que o Ministério Público está presentemente sem rei nem roque.