terça-feira, 24 de agosto de 2010

O inquérito ao processo Freeport.

O Procurador Geral da República tem o hábito de utilizar o Verão para tomar insólitas decisões. O ano passado brindou-nos com a novidade processual de proferir despachos ocultos sobre as escutas do processo Face Oculta, alegadamente fora do âmbito de qualquer processo. Este ano manda abrir um inquérito sobre a forma como decorreu o processo Freeport para averiguar "as razões por que não foi suscitada, na altura própria a necessidade de prorrogar o prazo concedido para encerrar o inquérito, designadamente para serem feitas as perguntas que no despacho de encerramento ficaram expressamente indicadas".
Confesso que tenho dificuldade em compreender que um inquérito com a dimensão política do processo Freeport possa ser encerrado sem que o Procurador Geral da República tenha conhecimento prévio do despacho de encerramento. Paradoxalmente, no entanto, o Procurador Geral mostrou-se surpreendido com o teor desse despacho, criticando o facto de nele terem sido incluídas referências a diligências que ficaram por fazer, dizendo até que não tinha memória de alguma vez ter visto um despacho assim.
Soube-se depois que o processo foi encerrado porque o Vice-Procurador Geral estabeleceu abruptamente um prazo para a sua conclusão, o que levou a que os Procuradores o tivessem que encerrar, acordando com a hierarquia a inclusão daquelas menções no despacho de arquivamento.
Ora, quando numa magistratura hierarquizada um superior hierárquico estabelece um prazo para terminar um inquérito, não me parece que os seus subordinados possam ser questionados sobre a razão por que não pediram a prorrogação desse prazo. Antes é a hierarquia que tem que responder sobre a razão por que deu essa ordem, inviabilizando a realização das diligências programadas. Mas infelizmente temos vindo a assistir a uma extraordinária opacidade em relação às decisões tomadas ao mais alto nível na Procuradoria-Geral da República, o que é incompatível com a transparência que deve caracterizar as instituições democráticas, principalmente no sistema de justiça.
Perante as legítimas preocupações dos cidadãos sobre esta forma de gestão do Ministério Público, em lugar de assumir as suas responsabilidades, o Procurador Geral da República primeiro ataca o sindicato e depois abre inquérito sobre a forma de condução de um processo que esteve sempre sob controle directo da hierarquia, onde questiona os seus subordinados sobre as razões por que não questionaram uma decisão do seu Vice-Procurador, o qual aliás permanece em funções depois de ter atingido o limite de idade.
O Procurador Geral da República pode comparar-se à Rainha de Inglaterra, mas não deixa de causar a impressão que o Ministério Público está presentemente sem rei nem roque.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Em defesa da transparência na aplicação da justiça.

O incêndio que nos últimos tempos grassou nas cúpulas do Ministério Público tem vindo a servir de pretexto para o surgimento de ataques absolutamente inaceitáveis à transparência que numa sociedade democrática deve existir na aplicação da Justiça. Na verdade, o nosso sistema de Justiça está neste momento debaixo de fogo, existindo uma claríssima intervenção política que pretende instituir autênticas mordaças em torno do nosso processo penal, pretendendo transformá-lo num processo secreto, a lembrar os tempos da inquisição.
A situação começou com a escandalosa reforma do Código de Processo Penal de 2007, a proibir a publicação de escutas, mesmo depois de o processo deixar de estar em segredo de justiça, a não ser que o visado em tal consinta. Apesar dos ecos favoráveis que teve na Itália de Berlusconi, essa norma não tem qualquer paralelo num sistema democrático, sendo inaceitável que a notícia sobre prova existente num processo público possa ficar dependente da autorização de privados. A liberdade de imprensa, essencial num sistema democrático, fica assim à porta do nosso processo penal.
O ataque à liberdade de imprensa é, porém, acentuado quando determinados juristas e jornalistas se unem na praça pública para tentar impedir que os jornalistas possam ser assistentes no processo penal, nos crimes em que a lei permite que "qualquer pessoa" o seja. Trata-se de crimes que atentam contra valores de toda a colectividade, sendo por isso que a lei reconhece a qualquer cidadão o direito de neles se constituir assistente, independentemente de ser jornalista, advogado, médico, estudante, pedreiro ou desempregado. E a partir do momento em que o processo deixa de estar em segredo de justiça pode ser livremente noticiado pelo jornalista, sendo irrelevante que ele seja ou não assistente no processo, embora deva avisar os leitores dessa sua qualidade. Procurar impedir os jornalistas de se constituirem assistentes constitui mais uma tentativa de reforçar a obscuridade do nosso processo penal, sendo evidente que tal não ficará por aí, uma vez que o que interessará é eliminar a possibilidade de controlo pelos cidadãos do decurso desses processos, que está subjacente à atribuição da possibilidade a qualquer pessoa de se constituir assistente. O mais provável será a eliminação dessa possibilidade em futura alteração legislativa, assim impedindo o controlo pela sociedade desses crimes.
Mas onde a tentativa de criar mordaças na Justiça atinge o zénite é quando se propõe a consagração na Constituição (!) da proibição de sindicatos nas magistraturas. Trata-se de uma situação típica de regimes ditatoriais, contrária à liberdade sindical entre nós justamente consagrada. Os magistrados, como profissionais sujeitos a um estatuto de natureza laboral, têm todo o direito de se organizar em sindicatos, tendo estes sindicatos dado um valioso contributo para a denúncia das situações que têm ocorrido no âmbito das magistraturas e apresentado propostas para a reforma do sistema. Pretender transformar os sindicatos de magistrados em bodes expiatórios dos males da Justiça, revendo a Constituição para os proibir, é absolutamente inaceitável num país europeu, parecendo uma solução típica de uma ditadura do terceiro mundo.
É manifesto que estamos na silly season, mas escusávamos de ouvir tantas propostas disparatadas sobre o nosso sistema de Justiça.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

A situação do Vice-Procurador Geral da República.

Esta notícia constitui um exemplo claro do estado de degradação que atingiu as nossas instituições democráticas, que se faz sentir principalmente na área da justiça. Efectivamente é absolutamente inaceitável que, quando o Vice-Procurador Geral da República atinge o seu limite de idade, não cesse imediatamente as suas funções e permaneça nas mesmas contra o que a lei determina. Ao mesmo tempo, a pedido do Procurador Geral da República, com o parecer favorável do Conselho Superior do Ministério Público, o Governo tenta alterar a lei vigente mas, verificando-se que não consegue maioria no Parlamento para o efeito, mantém-se o Vice-Procurador Geral da República em funções. Com isto, o Ministério Público, a quem compete nos termos do art. 219º, nº1, da Constituição defender a legalidade democrática, acaba por dar um exemplo inaceitável ao país, mantendo uma situação de ilegalidade no seu órgão máximo.
Durante a minha vida, assisti a imensas jubilações por limite de idade de professores universitários, magistrados e altos funcionários públicos. São sempre momentos de tristeza para os próprios e para as instituições que serviram, especialmente quando em muitos casos era patente que continuavam em condições de continuar a desempenhar o cargo com o brilhantismo que nele sempre tiveram. Todos sabiam, porém, que existia uma lei geral e abstracta que os impedia de continuar em funções e encararam esse processo como uma normal consequência da lei da vida, segundo a qual não há pessoas insubstituíveis e há sempre que dar lugar aos novos. É por isso incompreensível qualquer tentativa de alterar uma lei a pretexto de um caso particular, que dá um péssimo sinal a toda a sociedade. E é ainda mais incompreensível que, não sendo essa alteração à lei aprovada, a Procuradoria-Geral da República não aplique a lei vigente, como lhe compete.
O Ministro da Justiça foi muito rápido a criticar o discurso de Passos Coelho sobre a justiça. É estranho, no entanto, que não se lhe tenha ouvido uma palavra sobre esta situação.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

O país em chamas.

O livro de António Lobo Antunes, "Que farei quando tudo arde?", deveria ser leitura recomendada neste momento ao Presidente Cavaco Silva, a ver se o inspirava a abandonar de vez o mutismo em que se colocou perante a situação de descalabro que o país atravessa.
Os constantes incêndios que todos os dias surgem nos noticiários, infelizmente já com vítimas mortais a lamentar, são um símbolo da falta de cuidado que existe na preservação das nossas florestas, assim como da incapacidade da justiça em reprimir os comportamentos criminosos.
Mas infelizmente os fogos que estão a atingir as nossas instituições parecem ser ainda mais graves que os incêndios que continuamente destroem as nossas florestas.
Efectivamente, na área da justiça processos que deveriam ter decorrido de forma absolutamente exemplar, devido ao alarme que as suspeitas relatadas suscitaram na opinião pública, deixam afinal as maiores dúvidas sobre a forma como foram conduzidos, levando os responsáveis a fazerem comunicados públicos sobre os mesmos. Não contente com isso, o Procurador-Geral da República acha que deve dar entrevistas incendiárias sobre os seus próprios poderes e a guerra que tem travado com o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, ao mesmo tempo que anuncia mais um inquérito aos seus próprios serviços. O Sindicato, como seria de esperar, responde de forma contundente, proclamando que a hierarquia está moribunda. Com isto, será difícil que os cidadãos possam alguma vez confiar no sistema de Justiça, mas o Ministro da Justiça mantém a confiança no PGR e ainda propõe dar-lhe mais poderes. Provavelmente, quando isto acabar, do nosso sistema de justiça só restarão cinzas.
Também na área da economia, as coisas não parecem melhores. A inflação disparou, com a abrupta subida do IVA, e o risco da dívida pública portuguesa continua a aumentar. Por outro lado, com a multiplicação em progressão geométrica do número de insolvências e o constante aumento do desemprego prevê-se uma situação igualmente incendiária no plano social.
Tem-se justificado o silêncio do Presidente sobre este estado de coisas por razões calculistas, devido ao facto de estar à frente nas sondagens e não querer prejudicar a sua candidatura presidencial. É uma justificação inaceitável, uma vez que em caso algum o exercício do mandato presidencial deve ser condicionado pelos interesses de uma recandidatura. Cavaco Silva deveria perceber que ao deixar o país continuar a arder, sem nada fazer como Presidente, corre o risco de depois aparecer bastante chamuscado como candidato.

domingo, 8 de agosto de 2010

O Procurador-Geral da República e o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público

Já tinha aqui tido ocasião de salientar que a última coisa que o PGR deve fazer é entrar em polémica com os sindicatos dos profissionais sob a sua tutela. Infelizmente não é isso o que se tem verificado e nos últimos dias têm-se multiplicado os ataques do PGR ao SMMP, seguidos de respostas contundentes deste, numa autêntica troca de galhardetes, que em nada contribui para a confiança que os cidadãos devem ter na justiça. O próprio Ministro da Justiça já teve que vir a público, reconhecendo que se gerou uma crispação que importa resolver, mas reafirmando a sua "confiança institucional" no PGR, e esperando que ele lhe diga quais são os poderes que quer. Temos assim que o PGR em funções, depois de incompatibilizado com o SMMP, aparece a propor publicamente o reforço dos seus poderes, o que julgamos não ter paralelo em qualquer Estado de Direito.
Também me parecem graves os ataques que têm sido desencadeados contra o sindicalismo das magistraturas, a meu ver sem qualquer justificação. Os magistrados, embora sejam titulares de um órgão de soberania, têm um estatuto sócio-profissional de natureza laboral, pelo que é perfeitamente compreensível que criem sindicatos para defender esse estatuto. O peso político que os seus sindicatos eventualmente alcançam deriva exclusivamente da sua representatividade e não pode servir de pretexto para justificar o que corre mal num processo.
O que espanta é que nos processos com mais impacto na opinião pública não se consiga estabelecer uma sua resolução definitiva, sem criar polémicas. Com isto, os cidadãos vão perdendo a sua confiança na justiça, o que mina os fundamentos do Estado de Direito Democrático. Acho grave que o Presidente da República continue em silêncio sobre este assunto.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

As declarações do Procurador-Geral da República.

Acho absolutamente inaceitáveis estas declarações do Procurador-Geral da República, que só contribuem para acentuar ainda mais a crise de confiança na justiça que tem vindo a crescer na opinião pública.
Em primeiro lugar, não é verdade que o PGR só tenha os poderes da Rainha de Inglaterra, uma vez que, como se viu, teve poderes suficientes para tomar as decisões que tomou no processo Face Oculta, alterando as decisões do Procurador de Aveiro através de despachos que tornou tão ocultos como o nome do processo. Como já aqui uma vez salientei, desde a Revolução Francesa que nenhum monarca pode interferir num processo, seja em Inglaterra ou em qualquer outra monarquia democrática, enquanto que o PGR tem entre nós essa competência. A comparação com a Rainha de Inglaterra é, por isso, totalmente descabida.
Mas, mesmo que se desse razão ao PGR, é absolutamente inaceitável que num estado de Direito qualquer titular de um cargo público apareça a reclamar das competências que tem, as quais resultam directamente da lei. As pessoas, quando aceitam cargos públicos, sabem quais são as competências que possuem, e devem actuar no estrito quadro da mesmas. Se entendem que esse quadro não é adequado, não devem sequer aceitar o cargo. Discutir o enquadramento da competência do PGR e o papel que deve ter o Ministério Público é tarefa para os políticos e não para o PGR em funções, que tem o dever de permanecer alheio a essa discussão e muito menos deve entrar em polémica com os sindicatos dos profissionais sob a sua tutela.
Começo a ficar sinceramente preocupado com o estado do nosso Ministério Público. Não será a altura de o poder político se pronunciar sobre esta situação?

Washington DC, OAS



É no edifício da Organização dos Estados Americanos, muito perto da Casa Branca, que ocorre o encerramento do nosso Congresso. Um pormenor chama-me a atenção. À entrada do edifício encontra-se uma estátua à Rainha de Castela e Aragão, Isabel I, a Católica, considerada a primeira rainha do continente americano. Que estranho uma organização de estados independentes da América homenagear desta forma a mais antiga potência colonial do continente americano.

Washington DC, The memorials







Em Washington DC visito sempre os Memorials em honra dos mais célebres Presidentes americanos. Impressiona-me vivamente a majestade com que Lincoln é representado, mais parecendo um imperador que o presidente de uma república. Muito impressionante é também o Memorial de Roosevelt, recordando os únicos quatro mandatos obtidos por um Presidente Americano. Na capital dos Estados Unidos, a história da América é constantemente recordada.

New York, United Nations




O edifício das Nações Unidas simboliza o cosmopolitismo de New York, que bem pode justamente ser considerada a capital do mundo. É seguramente o sítio onde se fala mais línguas diferentes em toda a terra. Mas nem todos os visitantes são recebidos da mesma maneira…

New York, Ellis Island






O despertar dos viajantes do seu sonho americano começava com a chegada a Ellis Island onde todos os imigrantes eram depositados, à espera da decisão de os deixarem entrar na América ou do eventual repatriamento. É impressionante imaginar o sofrimento das pessoas amontoadas neste edifício, sujeitas a exames de toda a espécie, esperando por uma decisão que poderia representar a esperança ou a desilusão, depois de terem estado tão perto do seu objectivo. Mas a maioria acabava por entrar, gerando um novo ramo americano das suas famílias. É por isso que hoje muitos americanos vão a Ellis Island à procura do registo da data em que um seu antepassado entrou pela primeira vez na América.

New York, Liberty Island




É também imperdível em New York visitar a estátua da liberdade, que simboliza as aspirações de tantos imigrantes que procuravam a América. A estátua era a primeira coisa que viam do barco que os transportava, funcionando como o símbolo do sonho de uma vida melhor. Mas nem sempre esse sonho se concretizava.

New York, Empire State Building






É imperdível em New York uma subida ao Empire State Building, que permite uma vista deslumbrante sobre a cidade.

New York, Central Park







O Central Park é um autêntico oásis numa cidade onde os arranha-céus marcam uma presença imponente, ao mesmo tempo que produzem um calor sufocante. Nos bancos do parque encontram-se dísticos onde os habitantes de New York referem quanto esse parque foi importante nas suas vidas ou prestam homenagem a um ente querido, entretanto falecido. Muitos falecimentos aqui recordados referem-se à trágica data de 11 de Setembro de 2001, que feriu profundamente New York.

New York, Wall Street





A poucos passos do Ground Zero, fica Wall Street, que talvez tenha recuperado da crise financeira melhor do que a "main street". Na mesma rua, perto do edifício da bolsa, o lugar onde Washington tomou pela primeira vez posse como Presidente dos Estados Unidos.

New York, Ground Zero





Em New York é impressionante a visita ao Ground Zero, que quase nove anos depois do 11 de Setembro continua sem ser reedificado. Pessoalmente detesto a solução arquitectónica escolhida para este lugar, que tarda aliás em ser executada, pois preferia que fosse reconstituído o World Trade Center exactamente como era antes. Afinal de contas, a sua lembrança continua presente no espírito de todos os que visitam New York.

New York, Times Square






Na minha última visita aos Estados Unidos fiquei impressionado com a recessão que então se fazia sentir. Desta vez achei o país em muito melhor estado. É um facto que ainda falta recuperar nove milhões de postos de trabalho e o desemprego aqui significa perder a assistência na doença, uma vez que o seguro de saúde é imediatamente cancelado. Mas já se nota claramente um espírito muito mais optimista no povo americano, cujo supremo exemplo é a animação que se vive continuamente em Times Square, no centro de New York. Somos completamente ofuscados pelas luzes de néon a anunciar espectáculos na Broadway sempre cheios. É inteiramente acertada a canção de Sinatra a qualificar New York como "the city that never sleeps".