São de lamentar estas declarações do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, parecendo querer retirar a cobrança de dívidas dos Tribunais, com o argumento de que estes não podem ser "cobradores do fraque". Qualquer sociedade democrática assegura aos credores a tutela dos seus direitos, e a jurisdicionalização da cobrança de dívidas é essencial para garantir igualmente os direitos dos devedores. Um país em que os tribunais não dão resposta às acções de cobrança é um país em que ninguém quererá investir. Portugal já assistiu ao colapso da acção executiva e está agora a ver os processos de insolvência serem usados para efectuar a cobrança de dívidas. É importante que se perceba que a função de tutela dos direitos dos credores é essencial em qualquer sistema de justiça. Mal irão os nossos Tribunais se não lhe derem a importância devida.
domingo, 30 de maio de 2010
sexta-feira, 21 de maio de 2010
A descredibilização do inquérito parlamentar.
Esta posição tomada por Mota Amaral vai fazer acabar para sempre com a figura do inquérito parlamentar, e descrebilizará de vez o Parlamento como órgão de soberania. Não é nada que não se esperasse. Já várias vezes aqui, aqui, e aqui me pronunciei contra a má utilização que o Parlamento faz dos inquéritos parlamentares, que são essencialmente usados como arma de arremesso político, e que muitas vezes entram em questões da esfera judicial, quando não o deveriam fazer.
Pessoalmente, acho que não é líquido que o art. 34º, nº4, da Constituição permita que uma Comissão Parlamentar de Inquérito possa solicitar escutas de um processo criminal, com o fim de apurar a responsabilidade política do Primeiro-Ministro. Nem me parece que isso fosse necessário. A meu ver, e como já aqui disse, o que essa Comissão Parlamentar deveria ter insistido em exigir eram os despachos que o Procurador-Geral proferiu nestes autos, e que têm permanecido secretos, contra o que expressamente dispõe o art. 86º, nº1, CPP.
Em qualquer caso, a Comissão Parlamentar entendeu exigir as referidas escutas aos Magistrados de Aveiro, sendo que a eles, nos termos do art. 13º, nº7 da Lei dos Inquéritos Parlamentares, como guardas legais do processo, competia decidir se deveriam fornecer ou não esses elementos. Os mesmos entenderam que esses elementos poderiam ser fornecidos, pelo que não se compreende como é que pode a Comissão, depois de tomar conhecimento do seu teor, voltar atrás e arrepender-se de os ter pedido. Tal só demonstra que a Comissão Parlamentar de Inquérito afinal não sabe o que pode ou não pode legalmente fazer e, no cúmulo, ainda se permite censurar os magistrados de Aveiro por terem concordado com o seu pedido.
As palavras de Passos Coelho sobre o trabalho desta Comissão davam a entender que o PSD pretendia rapidamente enterrá-la. Na entrevista que concedeu a Constança Cunha e Sá só confirmou essa ideia, quando referiu que as conclusões da Comissão poderiam conduzir a uma censura ao Governo. É manifesto que tal não iria acontecer, pois nunca alguém que se absteve de censurar o Governo perante o descalabro das contas públicas, a manutenção dos investimentos disparatados, e o brutal aumento de impostos, iria alguma vez abrir uma crise política com fundamento no caso PT/TVI.
Neste momento, é óbvio que o PSD tem medo de abrir uma crise política. O problema é que a Comissão Parlamentar de Inquérito ameaçava transformar-se numa bomba, que ninguém conseguiria depois desarmar. Houve, por isso, necessidade de a enterrar rapidamente antes que causasse mais estragos.
De qualquer forma, tal só confirma a minha opinião de que as Comissões Parlamentares de Inquérito não têm qualquer utilidade para o apuramento da verdade, e só podem servir como arma de arremesso político. É por isso que são rapidamente extintas quando os efeitos políticos que podem produzir já não são os desejados.
segunda-feira, 17 de maio de 2010
Política de falta de verdade.
Eu não posso acreditar que esta notícia seja verdadeira. A confirmar-se a mesma, tal significaria que o Governo ocultou deliberadamente o valor do défice por conveniências eleitorais, permitindo que as eleições tivessem ocorrido num cenário virtual. Confirma-se assim a evidente descredibilização do Governo e a falta de condições políticas para executar as reformas de emergência de que o país necessita. Em qualquer outro país democrático, este Governo já estaria demitido. Em Portugal, durante quanto tempo os agentes políticos vão continuar com medo de fazer o que se impõe?
sexta-feira, 14 de maio de 2010
Na morte de José Luís Saldanha Sanches.
Conheci José Luís Saldanha Sanches no meu segundo ano de Direito na Faculdade de Direito de Lisboa, onde ele era assistente. Na altura, ele era considerado uma lenda entre os estudantes pelo seu combate contra a ditadura e pela sua resistência na prisão, de que só foi libertado com o 25 de Abril. Mas ao mesmo tempo demonstrava uma extraordinária capacidade intelectual, que tornava muito estimulante o debate com os alunos.
Posteriomente viemos a ser colegas no Centro de Estudos Fiscais da Direcção-Geral dos Impostos, partilhando a mesma paixão pelo Direito Fiscal, ainda que sob perspectivas diferentes. Tivemos muito debates em torno das leis fiscais e foi sempre um prazer trabalhar com Saldanha Sanches.
Saldanha Sanches tinha ainda uma característica que sempre apreciei, que era a de dizer o que pensava, independentemente dos custos pessoais que isso lhe acarretasse. Era por esse motivo inúmeras vezes chamado a realizar intervenções públicas, que se caracterizavam pela frontalidade e pela denúncia dos males que afligem este país.
Despeço-me hoje com admiração de um colega que partiu. Presto homenagem à obra que deixou no campo do Direito Fiscal, e que continuará a ser de grande valia para os cultores desta disciplina.
Uma solução para a crise.
Acho excelente esta proposta da Associação Portuguesa de Direito do Consumo, que de facto põe o dedo na ferida relativamente à proliferação de instituições e serviços absolutamente desnecessários, que facilmente poderiam ser reduzidos, com inúmeras poupanças de dinheiros públicos.
Não há qualquer justificação para a existência de três tribunais superiores em Portugal. Um chega perfeitamente, sendo que a extinção do Tribunal Constitucional representaria uma enorme vantagem para o nosso sistema jurídico, acabando-se com a negociação política em relação à designação de magistrados e a multiplicação de decisões altamente controversas na esfera constitucional.
Também não há qualquer justificação para a multiplicação de entidades reguladoras, que em Portugal têm crescido como cogumelos, com salários escandalosos para os seus dirigentes, sem que se assista a uma regulação efectiva. Apesar da regulação do Banco de Portugal, tivemos os casos do BPN e do BPP. A regulação da Autoridade da Concorrência é incapaz de esclarecer as controvérsias em torno da evolução do preço dos combustíveis. A ERC foi incapaz de tomar qualquer medida relativamente às inúmeras questões surgidas na esfera da comunicação social, levando a que o Parlamento tivesse que intervir nessa matéria. E os exemplos poderiam multiplicar-se.
Em lugar deste brutal aumento de impostos, o que se deveria fazer era de facto um down-sizing gigantesco dos órgãos e serviços desnecessários que existem no sector público. Estão por isso de parabéns a APDC e o seu Presidente, Mário Frota, pela proposta apresentada.
quarta-feira, 12 de maio de 2010
As leis-retrato.
Recuso-me a acreditar que esta notícia seja verdadeira. Seria absolutamente inaceitável a criação por lei de uma situação de excepção, a permitir num caso concreto o exercício de funções públicas após se ter atingido a idade legal obrigatória para a reforma ou jubilação, quando a todos os outros funcionários se impõe essa reforma. A generalidade e a abstracção das leis são a garantia da igualdade dos cidadãos. A proliferação de leis-retrato, destinadas a contemplar casos particulares, é absolutamente inaceitável e fere profundamente a saúde da nossa democracia.
Por outro lado, a imposição obrigatória da reforma é absolutamente essencial para assegurar a substituição de gerações. Haverá com certeza imensas pessoas a exercer funções públicas que teriam interesse em continuar no cargo após terem atingido a idade da reforma, mas que a lei obriga nessa altura a aposentarem-se. Criar excepções casuísticas a esta regra geral é absolutamente insustentável no quadro dos princípios pelos quais se rege o Estado de Direito. Espera-se por isso que haja o bom senso de não se avançar com propostas deste teor.
terça-feira, 11 de maio de 2010
O novo Governo de David Cameron.
Afinal a tradição ainda é o que era, e David Cameron já conseguiu ser nomeado pela Rainha como o novo Primeiro-Ministro inglês. É uma excelente notícia para o povo do Reino Unido, que votou claramente neste homem para Primeiro-Ministro e arriscava-se a ver o seu voto desconsiderado, se viesse a prevalecer uma solução de Governo que juntasse trabalhistas e liberais-democratas. Pensar num Governo formado por dois partidos derrotados pelas eleições, provalmente chefiado por alguém como David Miliband, que nem sequer se tinha submetido ao sufrágio eleitoral, representaria um descrédito da democracia no Reino Unido, gerando uma crise sem precedentes na política britânica. No fim, o bom senso de Nick Clegg prevaleceu, e David Cameron lá conseguiu que o deixassem formar Governo. Mas este resultado eleitoral não deixou de colocar as instituições britânicas à prova durante uns dias...
segunda-feira, 10 de maio de 2010
Xeque à Rainha.
Nunca foi adepto da monarquia como forma de Governo, embora reconhecesse que, no caso do Reino Unido, o regime tinha permitido que o monarca se mantivesse afastado da política, assumindo apenas uma função representativa e protocolar, enquanto a responsabilidade governativa era totalmente assumida pelo Primeiro-Ministro. O sistema eleitoral maioritário permitia por outro lado que a substituição do Governo se fizesse sem intervenção do monarca. Quando perdia as eleições, o Primeiro-Ministro em funções demitia-se, enquanto que a Rainha se limitava a chamar o líder da nova maioria, que participava numa mera cerimónia protocolar de apresentação de cumprimentos, após o que assumia as funções de Primeiro-Ministro.
A nova situação no Reino Unido é, porém, totalmente estranha, e ameaça colocar a Rainha em xeque. David Cameron ganhou as eleições, mas os trabalhistas e os liberais-democratas pretendem fazer uma coligação de Governo, mesmo sem terem maioria no parlamento. Se essa solução for para a frente, a Rainha será confrontada com um Governo formado por uma coligação de partidos derrotados nas eleições, destinada exclusivamente a impedir o partido vencedor de governar. Aí, a Rainha terá que tomar uma decisão política relativamente a essa solução governativa, o que é algo que o monarca britânico nunca deve fazer.
Há uma velha maldição chinesa que se limita a desejar: "que vivas em tempos interessantes". De facto, estes tempos têm vindo a pôr à prova todas as instituições que nos habituámos a ver como perenes.
quinta-feira, 6 de maio de 2010
Acção directa.
Este episódio representa um dos maiores danos à imagem do Parlamento que alguma vez se verificaram. Não consigo compreender que um deputado que se tenha envolvido nesta situação continue em funções e ainda receba palavras de reiteração da confiança por parte do seu líder parlamentar. Com a crise que atravessamos, é impressionante que o Parlamento permita que a imagem dos deputados se degrade desta maneira. O Presidente da Assembleia da República nada tem a dizer sobre este assunto?
O surrealismo da situação atingiu, porém, o campo jurídico quando o deputado em questão, ainda para mais jurista, decidiu sustentar que tinha tomado posse dos gravadores em acção directa. Ora, a verdade é que legalmente quem teria direito a exercer acção directa neste caso seriam os jornalistas esbulhados dos seus gravadores, em defesa da sua posse. Efectivamente, o art. 1277º do Código Civil refere expressamente que "o possuidor que for perturbado ou esbulhado pode manter-se ou restituir-se por sua própria força e autoridade, nos termos do art. 336.º, ou recorrer ao tribunal para que este lhe mantenha ou restitua a posse".
Felizmente que os jornalistas sensatamente não adoptaram essa atitude, mostrando terem mais bom senso do que o deputado em questão.
Agora, numa altura em que tanto se discutem os condicionamentos à liberdade de imprensa em Portugal, este episódio é mais uma das achas para a fogueira que diariamente atinge as nossas instituições. Os actuais governantes estão a transformar uma grave crise económica numa gravíssima crise de regime. Resta saber por quanto mais tempo se vai deixar arrastar esta situação.
sábado, 1 de maio de 2010
O chumbo das contas da Ordem dos Advogados.
Considero esta guerra constante entre os Conselhos Distritais da Ordem e o Bastonário absolutamente inconsequente e impeditiva do surgimento de uma oposição minimamente consistente a Marinho Pinto. Rejeitar pela enésima vez as contas da Ordem é um exercício absolutamente patético, que em nada atinge Marinho Pinto, e que só pode representar uma desconsideração para os funcionários da Ordem, que tenho a certeza que elaboraram de forma séria e competente esse relatório e contas. Mas demonstra que esta oposição vive entretida a discutir banalidades e passa ao lado dos sérios problemas que atingem a advocacia e a justiça em geral.
Quando a Ordem dos Advogados é presentemente alvo dos maiores ataques que há memória, era bom que os seus dirigentes olhassem além do seu próprio umbigo e colocassem o interesse da Ordem acima dos seus interesses pessoais. Uma instituição que não é capaz de aprovar as suas próprias contas é uma instituição descredibilizada perante o exterior. E é manifesto que ter a Ordem nesse estado não é do interesse de nenhum advogado.
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