Esta insistência do Bastonário da Ordem dos Advogados em querer continuar a restringir o acesso à Ordem, mesmo que os Tribunais dêem razão aos candidatos, só me faz lembrar o célebre conto de Franz Kafka, "Vor dem Gesetz", publicado em 1915, aqui traduzido em língua portuguesa. O autor viria depois a incluir esse conto num capítulo de O Processo, o qual deu origem ao filme de Orson Welles, reproduzindo-se acima a parte relativa a esse conto.
Através desta parábola, Kafka demonstra como certas forças na sociedade vão colocando entraves ao exercício por uma pessoa do seu direito, levando a que esta aguarde indefinidamente até que, no fim da vida, acaba por desistir do mesmo. É nessa altura que é confrontada com a asserção óbvia de que, pertencendo-lhe exclusivamente aquele direito, mais ninguém o poderia exercer, pelo que os entraves que lhe foram colocados acabaram por se traduzir na perda definitiva daquele direito.
A Ordem dos Advogados tem o dever de respeitar as leis do Estado, pelo que não pode impedir os licenciados em Direito de a ela se candidatarem criando requisitos novos, que não têm qualquer base legal. O exame de acesso já instituído assemelha-se ao porteiro do conto de Kafka, a quem cabe impedir desde logo a entrada no edifício. O Bastonário vem agora referir, como nesse conto, que ainda existem outros porteiros nos salões interiores, que continuarão a vedar o acesso, mesmo que os tribunais venham a dar razão aos candidatos. A Ordem dos Advogados acaba por ser transformada num exemplo pleno das restrições burocráticas ao exercício dos direitos, tão bem expressas neste conto de Kafka. É pena que ninguém veja a imagem que a Ordem dos Advogados está a dar ao país com esta atitute.