sexta-feira, 21 de maio de 2010

A descredibilização do inquérito parlamentar.

Esta posição tomada por Mota Amaral vai fazer acabar para sempre com a figura do inquérito parlamentar, e descrebilizará de vez o Parlamento como órgão de soberania. Não é nada que não se esperasse. Já várias vezes aqui, aqui, e aqui me pronunciei contra a má utilização que o Parlamento faz dos inquéritos parlamentares, que são essencialmente usados como arma de arremesso político, e que muitas vezes entram em questões da esfera judicial, quando não o deveriam fazer.
Pessoalmente, acho que não é líquido que o art. 34º, nº4, da Constituição permita que uma Comissão Parlamentar de Inquérito possa solicitar escutas de um processo criminal, com o fim de apurar a responsabilidade política do Primeiro-Ministro. Nem me parece que isso fosse necessário. A meu ver, e como já aqui disse, o que essa Comissão Parlamentar deveria ter insistido em exigir eram os despachos que o Procurador-Geral proferiu nestes autos, e que têm permanecido secretos, contra o que expressamente dispõe o art. 86º, nº1, CPP.
Em qualquer caso, a Comissão Parlamentar entendeu exigir as referidas escutas aos Magistrados de Aveiro, sendo que a eles, nos termos do art. 13º, nº7 da Lei dos Inquéritos Parlamentares, como guardas legais do processo, competia decidir se deveriam fornecer ou não esses elementos. Os mesmos entenderam que esses elementos poderiam ser fornecidos, pelo que não se compreende como é que pode a Comissão, depois de tomar conhecimento do seu teor, voltar atrás e arrepender-se de os ter pedido. Tal só demonstra que a Comissão Parlamentar de Inquérito afinal não sabe o que pode ou não pode legalmente fazer e, no cúmulo, ainda se permite censurar os magistrados de Aveiro por terem concordado com o seu pedido.
As palavras de Passos Coelho sobre o trabalho desta Comissão davam a entender que o PSD pretendia rapidamente enterrá-la. Na entrevista que concedeu a Constança Cunha e Sá só confirmou essa ideia, quando referiu que as conclusões da Comissão poderiam conduzir a uma censura ao Governo. É manifesto que tal não iria acontecer, pois nunca alguém que se absteve de censurar o Governo perante o descalabro das contas públicas, a manutenção dos investimentos disparatados, e o brutal aumento de impostos, iria alguma vez abrir uma crise política com fundamento no caso PT/TVI.
Neste momento, é óbvio que o PSD tem medo de abrir uma crise política. O problema é que a Comissão Parlamentar de Inquérito ameaçava transformar-se numa bomba, que ninguém conseguiria depois desarmar. Houve, por isso, necessidade de a enterrar rapidamente antes que causasse mais estragos.
De qualquer forma, tal só confirma a minha opinião de que as Comissões Parlamentares de Inquérito não têm qualquer utilidade para o apuramento da verdade, e só podem servir como arma de arremesso político. É por isso que são rapidamente extintas quando os efeitos políticos que podem produzir já não são os desejados.

Um comentário:

JB disse...

No blogue "Suction with Valchek", Pedro Lomba, que é constitucionalista, defende que a constituição permite a utilização de escutas nas comissões de inquérito, na medida em que a lei que regula esta últimas as equipara ao processo penal. Não sei se isso não equivalerá a interpretar a constituição à luz da lei ordinária, mas, em todo o caso, parece-me defensável tal entendimento, com o que tral utilização decorreria de uma interpretação directa do art. 34º da CRP.

Também não percebo como é possível que despachos de arquivamento de um procedimento administrativo (?) não sujeito a segredo de justiça permanecem secretos. E ninguém se indigna, não há um levantamento geral dos juristas e cidadãos comuns contra uma violação grosseira do Estado de Direito.

Enfim, uma pessoa de bem não pode aceitar este estado de coisas. Percebo por isso a revolta interior que se vê estampada na cara do Pacheco Pereira quando fala deste assunto. O ideal seria mesmo que divulgasse tudo o que sabe, sujeitando-se a eventuais sanções. Mas muito mal vai a democracia que precisa de mártires para cumprir os mínimos democráticos.