O comunicado que saiu da reunião do Conselho Superior do Ministério Público (disponível aqui) suscita várias dúvidas.
Soube-se primeiro que a reunião do Conselho tinha sido convocada para esclarecimento de algumas questões jurídicas, mas depois o comunicado vem referir que afinal a reunião foi para o Conselho ser informado pelo Procurador "da sua intervenção no dossier respeitante às certidões extraídas do inquérito nº 362/08.1JAVVR da Comarca do Baixo Vouga". A seguir acrescenta-se que "o Procurador-Geral esclareceu o Conselho sobre o que este entendeu perguntar-lhe", considerando o Conselho em conclusão que "estão em causa intervenções de magistrados no legítimo exercício das suas competências funcionais, com observância das metodologias e dos procedimentos característicos da actividade judiciária".
Confesso que, se o objectivo era esclarecer questões jurídicas, continua por esclarecer como é que certidões relativas a um inquérito criminal dão origem apenas a um "dossier", ao contrário do que prevê o art. 262º, nº2, CPP. Também ainda não se percebe como é que o "dossier" pode estar sujeito a segredo de justiça sem ter sido aberto qualquer inquérito. Finalmente, não ficou minimamente esclarecido de quem é a competência para destruir as escutas, sabendo-se que o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça já declarou publicamente que considera que não despachou em nenhum "dossier", mas no próprio processo Face Oculta. Infelizmente todas estas questões jurídicas continuam por esclarecer.
O problema é que do ponto 3 desse comunicado parece resultar uma apreciação pública do Conselho Superior do Ministério Público sobre a intervenção dos magistrados nesse processo, o que nos parece não estar no âmbito das suas competências. Em relação ao Procurador-Geral da República, o art. 27º a) do Estatuto do Ministério Público, é muito claro no sentido de que ele não responde perante o Conselho Superior do Ministério Público. Em relação aos outros Procuradores, o Conselho tem efectivamente competência para apreciar o seu mérito profissional, mas não nos parece que tal comporte uma apreciação pública das decisões emitidas num processo.
O comunicado termina com uma reafirmação da determinação do Conselho Superior em "impedir a contaminação do Ministério Público por considerações de índole política, em cumprir e preservar os procedimentos decisórios próprios e em não admitir que se insinuem motivações extra-jurídicas para as posições processuais que o Procurador-Geral da República ou cada magistrado entenda tomar ou cada magistrado entenda tomar de acordo com a Constituição e a lei". Este propósito é inteiramente louvável e com ele não poderíamos estar mais de acordo. Há um processo muito simples de o mesmo ser conseguido: a publicação integral das motivações jurídicas que estiveram na base das diversas decisões tomadas no processo e a sua submissão à apreciação da comunidade jurídica. Só assim se consegue que os cidadãos confiem na Justiça.
Um comentário:
Os meus cumprimentos.
Finalmente começam a fazer ouvir-se (ler-se) opiniões abalizadas sobre este assunto, sendo a do Sr. Prof. uma delas.
Enquanto os Professores de Direito não assumirem publicamente e sem receios posições claras como esta, estamos à mercê de "informações" e "contra-informações" que só descridibilizam ainda mais a Justiça e o Direito.
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